quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
Egito e aposentadoria de governadores
Não estranhe o título. Apesar de aparentemente desconexos, os temas têm elementos comuns. Embora de realidades completamente distantes, o jovem Brasil ainda guarda em sua herança política um pouco do espírito que sustentou Hosni Mubarak por trinta anos no poder.
No Egito antigo, faraós representavam divindades intocáveis. Eles estavam acima do povo, por isso governavam com poder totalitário. Viviam e morriam com privilégios, levando para seus túmulos-palácios a riqueza e o luxo de que precisariam para as próximas vidas.
No Brasil, esse princípio de divinização resiste à ideia de um estado democrático. Políticos ainda tem um quê de almas sagradas. Parlamentares ganham décimo-quinto salário, têm direito a um séquito de assessores e uma pirâmide de outros privilégios. O deísmo estatal do velho Egito sobrevive em estado latente aqui pelos trópicos.
Só essa forma de pensamento primitivo justifica o pagamento de pensões vitalícias a ex-governadores de alguns estados. O benefício não encontra pares na administração pública do País. Magistrados e procuradores, por exemplo, já recebem tratamento humano há bastante tempo. Para deixarem o cargo com direito à aposentadoria integral, esses profissionais precisam submeter-se a rígidos concursos e trilhar uma carreira de décadas no serviço público. Isto vale até para ministros do Supremo Tribunal Federal.
O que justifica um privilégio de governantes? Resposta: a ideia subliminar de que a investidura a cargos desse nível os eleva à categoria suprarreal. Nesse sentido, com toda razão a OAB ao questionar a vantagem.
No caso específico do Pará, existe dispositivo constitucional favorável aqui no estado. Todavia, como arrazoa a Ordem, essa norma não pode prevalecer contra a Constituição da República. O benefício existia nas cartas da ditadura, não tendo sido recepcionado pela norma de 1988. Não pode, portanto, morrendo no processo constituinte, ressuscitar algures no território nacional.
O Brasil precisa estudar a história egípcia antiga, a fim de identificar fantasmas de divindades que ainda assombram a Nação. Essa forma milenar de concepção de governos esta na base de muitos privilégios e desmandos. Está na percepção de rendas. Na impunidade que tinge os colarinhos-branco. No tráfico de influência. Na concessão de benesses a deuses domésticos dessas superdivindades.
Mas, acima de tudo, precisamos estudar a história moderna do Egito. Notar como evoluíram os nativos do Nilo. Como gritam contra suas divindades. Como têm força para derrotar em poucos dias quem encarnou o poder durante 30 anos. Talvez a inspiração desses jovens vassalos tenha origem verde-amarelo. Quem sabe foram os nossos cara-pintadas antiCollor que os tingiram também de seu próprio vermelho.
A OAB precisa continuar identificando o espírito do velho Egito. No Brasil de hoje, não cremos em divindades de carne e osso. Se encontrá-las, que vivam às suas próprias expensas. Não podemos financiar a autolatria. Já bastam os que, em nome de Deus, extorquem o nosso povo para construção de impérios. Precisamos seguir reclassificando deuses e semideuses. Se até os modernos vassalos de faraó conseguiram, por que não conseguiremos também?
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RUI RAIOL é escritor (www.ruiraiol.com.br)
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