No blog Na Rede, da jornalista Ana Diniz:
O conhecimento vem de longe. Dos tempos de chumbo dos anos 70 – bem mais duros que os anos 60 – cimentado por Paulo Fontelles e José Luiz Guedes.
Nós, os católicos integrantes da JEC, JUC e depois Ação Popular, nos opúnhamos ferrenhamente ao PC, depois PCB e PCdoB. A repressão nos enfiou no mesmo saco – ops!, nas mesmas celas. Foi quando nos conhecemos: uns por Deus, outros pela História, lutávamos pela dignidade, pela liberdade, pela integridade das pessoas e pela melhoria da vida das multidões. Nas prisões, o que menos importava era a razão da resistência; lutávamos, precisávamos lutar para salvaguardar companheiros, para manter esperanças acesas e a causa viva. Não importava se o lutador era o liberal Altino Dantas, ou a violenta Dilma Rousseff, ou o cristianíssimo João Travassos. Ou, ainda, o radical Neuton Miranda.
É desde esse tempo, quarenta anos! que admiro e respeito Neuton Miranda. Dos tempos em que era necessário fazer chegar suprimentos à guerrilha, retirar pessoas marcadas de uma cidade cheia de barricadas, esconder crianças em caixas para que chegassem aos avós, misturar crianças com perseguidos para que estes pudessem escapar.
Quando começou a distensão, que se marcaram as eleições, uma vez eu conversava com Neuton e dizia: “Neuton, estou com medo. Está muito fácil...” E ele me respondia, tranquilo: “Temos que acreditar e avançar; não podemos perder a oportunidade; se estiveres com a razão, logo saberemos.” Soubemos logo que eu não tinha razão – logo a democracia voltava com a Constituição de 88.
Nossa relação era, pois, cimentada em crenças diferentes, mas objetivos comuns; a militância política desviou nosso caminho, promoveu encontros em diferentes momentos e desencontros em outros; no entanto, como dividimos uma vez o pão e o medo, guardava aquela confiança mútua que somente companheiros de trincheira podem ter.
Creio que posso falar hoje o que Neuton não gostaria que eu dissesse quando vivo. Íntegro, leal e correto em suas alianças – em que, aliás, sempre deixou claro serem temporárias, porque ele era um comunista e, como Niemayer, nunca abdicou disso – jamais criticou seus aliados de ocasião. Eu sempre respeitei seu comportamento. Mas hoje, com ele morto, sinto-me na obrigação de contar para todos os que me lêem as condições atrozes com que ele administrou a unidade regional da Secretaria de Patrimônio da União.
Bem, para começo de conversa, ele não tinha orçamento próprio. Seu orçamento estava dentro do Ministério do Planejamento que absolutamente nunca teve o Pará como prioridade. Para continuar a conversa: seu pessoal se resumia a meia dúzia de gatos pingados. E para finalizar: teria que administrar tirando leite de pedra, arranjando parceiros, se quisesse fazer alguma coisa.
Eu tinha ido lá, pela Paratur, preocupada com a situação da ilha das Onças, em processo de favelização do pior tipo, e tentar uma forma de começar a regularizar a ocupação das ilhas fronteiriças a Belém. Neuton não tinha condições sequer de formalizar um convênio. Fiquei horrorizada. Neuton, entretanto, me expôs um projeto ambicioso, e me disse: vou fazer. E fez o que foi possível, dobrou vontades, arranjou parceiros, e morreu fazendo pessoas muito pobres felizes por nunca mais terem que se defrontar com o fantasma da expulsão.
Políticos como ele, que resistem às derrotas eleitorais e resistem à corrupção do poder; que enfrentam as dificuldades com a coragem necessária – das armas à palavra, da palavra ao trabalho silencioso sobre a papelada, mas sempre uma medida de esforço geralmente ignorada – representam o que de melhor temos no povo brasileiro.
E é por isso que, mesmo sendo de outro partido, ocasionalmente em oposição ao PC do B, escrevo estas linhas: para preservar o legado de integridade e coragem que um político como Neuton Miranda nos deixa.
UNE DE LUTO: MORREU NEUTON MIRANDA
ResponderExcluirOs últimos dias foram de imensa tristeza e luto para o povo do Pará. Aproximadamente às 23 horas do último sábado falecia Neuton Miranda, vítima de um enfarto enquanto distribuía títulos de terra para ribeirinhos da cidade de Belterra (PA), a serviço da Gerência Regional do Patrimônio da União.
O falecimento de Neuton é uma perda irreparável não só para os militantes do PC do B, partido do qual era presidente no Pará, mas sim para toda a sociedade brasileira e mais intensamente para aqueles partidos e movimentos que tem em suas raízes a identificação com as causas dos trabalhadores.
A nossa nação perdeu um valoroso cidadão e a esquerda brasileira terá que seguir caminho na ausência de seu mestre determinado e inconteste líder. A União Nacional dos Estudantes, entidade que durante seus mais de 72 anos de história sempre esteve presente nas lutas populares, se sente no dever de prestar a última homenagem a este grande lutador do povo que foi Neuton Miranda.
Foi quando assumiu a tarefa de ser Vice Presidente da UNE na gestão encabeçada pelo valoroso Honestino Guimarães, até hoje desaparecido por ousar enfrentar o regime de exceção, que a história de Neuton se cruzou com a história da UNE em um dos momentos mais decisivos da luta política, momento em que os estudantes se mobilizavam no país inteiro para resistir à atroz ditadura que usurpou dos brasileiros a oportunidade de viver em uma sociedade com o mínimo de legalidade democrática. Mesmo na clandestinidade o camarada “Viet” (codinome clandestino) não se eximiu de ajudar a construir a nossa entidade, escrevendo seu nome na história da resistência estudantil.
Todas as dificuldades impostas pela vida foram sempre superadas de forma coerente e sábia por este grande militante. Sua vida foi marcada pelo vigor revolucionário dos justos e pela valentia de um guerreiro que morre sem nunca ter baixado a cabeça ou estremecido em suas convicções nos momentos em que era atacado pelas elites e pelos oligarcas aos quais combatia.
É por isso que a União Nacional dos Estudantes também chora a morte de Neuton Miranda e ao mesmo tempo conclama todos os estudantes a manterem a sua luta, pois seu exemplo de vida engrandece a rebeldia da juventude e dignifica a honra e a glória daqueles que bravamente fizeram a opção de cerrar fileira ao lado das lutas do povo.
A UNE lamenta a grande perda na certeza de que as lembranças do nosso ex – Vice Presidente que hoje nos fazem chorar desde já nos impõem o dever de continuar seu legado, imbuídos da mesma convicção inabalável que lhe caracterizou em vida.
O homem se foi, mas sua biografia e seus ideais continuarão eternamente a embalar os sonhos daqueles em cujos corações ainda arde a chama revolucionária do socialismo e a certeza de que só a luta muda a vida.
Neuton Miranda, presente!
Fausto Bulcão Neto.
Vice Presidente PA/AP da UNE.
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