quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A página em branco da entrevista de Ana Júlia

Vocês vão nos desculpar.
Com essa paradinha no blog, o assunto poderá até parecer velho – ou caduco, na linguagem do jornalismo.
Mas um assunto desses não poderia ficar sem um comentário aqui.
Ainda que com algum atraso.
Trata-se da entrevista que Sua Excelência a governadora Ana Júlia concedeu ao Diário do Pará e foi publicada no domingo passado.
Ela, convenhamos, arrasou!
Arrasou de tanto que nada disse.
Sua entrevista poderia ser uma página em branco.
O jornal imprimiria duas páginas em branco e escreveria lá: “Assim falou a governadora Ana Júlia Carepa”. E pronto!
Quem ouviu Sua Excelência foram os jornalistas Carlos Mendes e Rita Soares.
Os dois cercaram Sua Excelência.
Sitiaram-na.
Deixaram-na sem saída.
Enjaularam-na naqueles estreitos limites em que o entrevistado, não tendo como negar a realidade, usa o discurso para escondê-la.
E assim foi Sua Excelência.
Em alguns momentos, ela foi injusta com sua própria equipe, mais precisamente com sua Comunicação.
Disse assim:

Temos um problema de comunicação. Isso é concreto, real. Não conseguimos comunicar o volume de investimentos e políticos que temos feito no Pará”.

É?
É isso mesmo?
A comunicação é falha porque não divulga bem as obras ou a comunicação não comunica sobre obras porque obras não há para propagandeá-las?
Como é mesmo?
Em outros momentos, a governadora foi contraditória. Alega que pegou o Estado esfacelado em todos os setores, inclusive e sobretudo na área de segurança pública.
E arremata assim:

“Mas era tudo encoberto por uma grande propaganda”.

Então, se foi dessa forma, se realmente no governo passado houve propaganda eficiente que encobriu deficiências, por que Sua Excelência não vai atrás de quem faça boa propaganda de seu governo, ainda que sem obras?
Lá pelas tantas, Sua Excelência, foi imprecisa – ou melhor, omissa:
Citou números e números sobre viaturas adquiridas para a polícia – mais de mil, segundo ela – e mais policiais concursados.
E soltou esta pérola:

“Mas os resultados [dos investimentos na área de segurança] estão aparecendo. A maior parte dos índices de área de segurança melhorou neste ano de 2009. É claro que tinham de melhorar, graças aos investimentos.”

E os números que atestariam a queda da violência, governadora?
E os números?
Ela não os divulga.
Mas O LIBERAL divulga.
Manchete do jornal, no sábado passado, dá conta de que ocorreram 19 mortes na madrugada de quarta para quinta. Nenhum dos suspeitos de autoria dos crimes foi preso pela polícia.
E olha que a polícia recebeu mil carros novos, segundo a governadora.
Manchete de domingo, no mesmo O LIBERAL: “Guerra urbana mata 101 no ano”. A polícia, segundo o jornal, executou 75 pessoas, metade inocente.

Em frente com a entrevista.
Em outro momento, descobre-se uma Ana Júlia ameaçadora.
A ameaça é a seguinte: ou a Assembleia aprova o empréstimo de R$ 366 milhões junto ao BNDES ou então os deputados continuarão sem ver a cor do dinheiro das emendas que apresentaram.
Quando os jornalistas perguntam se as emendas não serão cumpridas, ela responde assim:

“Vamos cumprir de acordo com as possibilidades do Estado. Se eu tiver os R$ 366 milhões [do empréstimo], será muito mais fácil.

Leram, deputados?
Ouviram?
Pois anotem. Sua Excelência é que falou.
E vamos em frente.
Em mais um trecho da entrevista, o que temos é uma Ana Júlia perdida entre parâmetros diferentes de comparação. E como se ela comparasse um pé de alface com um quilo de ferro extraído de Carajás e chegasse à conclusão de que o resultado das duas coisas é um pedaço de filé comprado no mercado do Ver-o-Peso.
Isso ocorre quando questionada se não acha que o fato de seu chefe da Casa Civil, Cláudio Puty, responsável pela articulação política do governo, ser pré-candidato a deputado federal é um fator que atrapalha as relações do governo com a Assembleia.
A resposta – inacreditável – de Ana Júlia, caprichando na ironia:

“Olha, todos dizem que a chefe da Casa Civil do governo Lula vai ser candidata.”

Putz!
Olhe, governadora, há algumas diferenças.
Lula tem quase 80% de aprovação; Vossa Excelência amarga um dos piores índices de rejeição já registrados na história deste Estado.
Dilma Rousseff é, sim, uma gerentona, mas não tem a atribuição primordial de fazer a articulação política do governo; o encarregado disso é o ministro Alexandre Padilha, que não é candidato e, portanto, não desperta ciúmes. Aqui, não: o chefe da Casa Civil é o homem da articulação política. Ou pelo menos deveria ser.
Outra: Dilma Rousseff, governadora, é candidata a um cargo majoritário. Ninguém compete com ela. Ninguém. Aqui, não: o chefe da Casa Civil está sendo monitorado por outros companheiro e companheiras que têm as mesmas aspirações que ele. Isso gera entraves, ciúmes, complicações, suspeitas. É claro que sim. E isso ocorreu em prejuízo da qualidade da articulação política do governo.

Mas em frente com a entrevista.
Em outro momento, na conversa que teve com Mendes e Rita Soares, a governadora tergiversa, contorna e desconversa, quando o assunto é aliança com o PMDB.
Sem poder disfarçar, no entanto, ela diz assim:

“Existe problema sim na relação (governo x PMDB). Se disser que não existe, seria desonestidade de minha parte. Agora, não é nada que não possa ser resolvido por meio do diálogo, de uma repactuação. E estou apostando nisso”.

Repactuação...
Hehehe.
E assim falou Sua Excelência.
Falou e não disse nada.
Falou e nada disse.
Uma página em branco.
Pura e simplesmente em branco.

13 comentários:

  1. Análise perfeita. Traduziu meu sentimento ao ler a conversa de sua Excelência com os jornalistas
    Foi um caso típico em que as perguntas dizem muito mais que as respostas

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  2. Parabens pela analise a governadora pensa que pode enganar a todos

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  3. Esse governo esta apanhando feio por burrice e falta de articulador politico. Como é que pode o homem responsavel por isso ser candidato é no mínimo falta de experiencia e idiotece

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  4. O puty esta acabando com esse governo porque ele só pensa na campanha dele é claro, mas infelizmente tem o aval da governadora, paciencia

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  5. Pelo menos o PSBD coloca nos cargos pessoas competentes

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  6. A propósito do tal índice de aprovação do Lula, acho muito engraçado a "auto-atribuição" (e forte adesão por parte de muitos) do rótulo "gerentona" sobre Dilma Rousseff. Gerentona de quê??? Se formos fazer a vontade de Lula, o PAC (argh!) está aí, com seus cronogramas reiteradamente atrasados. Mas querem vender pra nós a idéia de "gerentona". Ai de nós!

    P.s.: Em tempo, o DP noticia a negociação da área do Exército (área nossa, pública, portanto (ou não?))com a Arquidiocese de Belém. R$ 30 milhões (com parcela inicial de R$ 6 mi), com verbas provenientes de emendas parlamentares (dinheiro público). Tá certo isso? Dinheiro público indo para instituição pública para entregar a área para instituição não-pública? Tá correto isso? Será? Outra perguntinha: R$ 30 milhões???? Vale tudo aquilo??

    Fernando Bernardo de Souza Neto

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  7. Parabens ao Blog por esta bela interpretação da entrevista da nossa Governadora. Afirmo que não moro neste Estado que a Ana Julia se refere.

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  8. Até alguém com pouca instrução se prepararia melhor do que a nossa governadora para uma entrevista dessas. Isso mostra que esse cargo foi jogado no peito de uma pessoa que, realmente, não tinha a menor vocação - ou vontade - de comandar um dos estados mais ricos do País. O pior que se a divisão vier, como parece, sobrará pouco para outros governantes. Ela que se diz amiga do presidente, não consegue nem negociar o ônus que temos com um processo migratório perverso que só aumenta a pobreza a insegurança e degenera a saúde a educação e o progresso do nosso estado.

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  9. Paulo,
    Vc é o cara. Arrasou!!!!

    Cleide Pinheiro

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  10. O Carlos Mendes parece que tirou a forra da promessa que a governadora fez a ele de ir na Rádio Tabajara para um "Jogo Aberto" e não deu as caras até hoje. Era pergunta que não queria calar a toda hora. O Mendes lavou a alma dele. E a nossa, também.

    Feliz Ano Novo a todos e ao blog

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  11. Barbaro,PB.
    R.Sampaio

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  12. será uma Estação vale mais que hospitais, delegacias e escolas construídas, reformadas e (ou) equipadas? É essa a grande obra que falta para Ana Júlia? Não entedi este post...

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  13. A melhor parte foi sobre o hospital infantil do câncer: o Pará não precisa de hospital infantil porque ja tem um que trata mulher, jovem, velho.... quanta insensibilidade.

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