domingo, 17 de maio de 2009

As incoerências de um império


Os Estados Unidos são um país que apresentam as contradições de um império e que no entender de muitos se propõem a contar uma nova história dos próprios EUA – e renegam o senso comum que enaltece o país como a terra da liberdade. O presidente Barack Obama: ele não foi o primeiro a ampliar o papel do Estado. A direita mais empedernida da terra do Tio Sam acusa Obama de colocar o país no rumo do socialismo – algo que não vai ocorrer nem com trilhões de dinheiro público na economia com bancos estatizados.
Provavelmente, os mais apressadinhos parecem acreditar que o país caminha para o socialismo? Qual? Onde? Talvez, uma aparição sobrenatural paira nas cabecinhas que pensam pequeno. Obama, simplesmente, vem administrando uma pesada crise que herdou, mas, convenhamos, está operando de modo consistente com o livre mercado.
Na primeira semana de março, em duas horas, manifestantes fizeram discursos contra a torrente de dinheiro público usada para salvar empresas e bancos e ergueram cartazes em que democratas eram chamadas de “comunistas” e a imagem de Obama aparecia decorada com foice e martelo, o símbolo dos partidos comunistas. Coisa de um grupelho de lunáticos que mão tem mais o que fazer? Nada disso. Eminências da direita petrificada da política americana deram para denunciar que as medidas tomadas por Obama para combater a crise estão colocando os EUA na rota do socialismo. É muita falta de imaginação.
Antes mesmo de completar os primeiros 100 dias na Presidência dos Estados Unidos, Obama já acumula as mais duras críticas de que, sob o pretexto de combater a crise, iniciou uma política excessivamente intervencionista. O fato é que, sob o peso de pacotes de resgate de trilhões de dólares, o país mais conhecido como o maior expoente do liberalismo econômico vergou no sentido do gigantismo estatal. Surpreendente? Claro que não. Os Estados Unidos são uma nação paradoxal, que prosperou em meio a movimentos abruptos na forma como o Estado interfere na economia e na vida dos cidadãos.

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“Os Estados Unidos são uma nação paradoxal, que prosperou em meio a movimentos abruptos na forma como o Estado interfere na economia e na vida dos cidadãos.”
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Nesta abordagem, podem-se perceber as contradições de um país que se autoproclamou o “império da liberdade”. A América apesar de concebida para a liberdade nasceu com um pecado original. A prova mais contundente desse pecado está em sua declaração de independência, 4 de julho de 1776. O documento estabelece que “todos os homens foram criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. Mas Thomas Jefferson, terceiro presidente dos EUA e redator do texto, ele mesmo era dono de dúzias de escravos negros.
Após uma sangrenta insurgência contra a coroa no final do século 18, eles levaram em frente o famoso expansionismo rumo ao oeste com a farta distribuição de terrenos aos pioneiros. As populares “corridas pela terra” garantiram igualdade de oportunidades – e um caráter quase anedótico - para a ocupação do novo território. Nessas corridas, o Exército dava a largada com um tiro de canhão e os mais velozes substituíam a bandeira de cada lote pela sua própria.
Nem sempre, entretanto, esse avanço foi tão pacífico. As 13 colônias da costa leste, que assinaram juntas a declaração da independência, avançaram até a costa oeste por meio de guerra, compra e anexação de terras dos índios. O México foi um dos principais prejudicados. Em luta contra os americanos, perdeu Texas, Arizona, Novo México e Califórnia.
Nesse país que cresceu organizado em Estados independentes, o papel do governo federal até meados do século 19 era apenas garantir a defesa externa e criar uma área de livre comércio. A Guerra da Secessão, entre o Norte – a União Norte era representada pelos Estados do Norte, industrializados, progressistas e abolicionistas. E os Estados do Sul – representados pelos Confederados do Sul, mais agrícolas e conservadores, defendiam a escravidão e eram separatistas (queriam se separar da União), foi o primeiro conflito sangrento que rompeu esse modelo – e fez com que o poder se concentrasse nas mãos do governo federal. Meio milhão de americanos morreu, entre 1861 e 1865, mais que as baixas durante a Primeira e Segunda Guerra. Abraham Lincoln, que conduziu a vitoria, tornou-se herói da pátria.
Em 1929, a Grande Depressão empurrou Franklin Roosevelt a se tornar o pai do Estado do bem-estar americano. Durante a década de 30, um terço da população chegou a receber ajuda do governo. Foi criado o seguro-desemprego e a aposentadoria por idade, sobrevivem até hoje. Essas medidas ajudaram a elegê-lo três vezes e sustentaram décadas de dominação democrata no Congresso e no Senado.
É de se admirar um país como os EUA, renovado com a eleição de Obama – talvez a mais radical troca de presidentes da história do país. George W. Bush, um sulista branco e aristocrático, foi substituído por negro criado na Indonésia e no Havaí, filho de um pai queniano e de origem muçulmana. Para os opositores, o presidente é considerado como traidor do liberalismo. Obama seria um redentor do pecado original do país, como o primeiro afro-americano eleito presidente dos Estados Unidos.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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