domingo, 9 de novembro de 2008

O tom da sucessão no Congresso

Nas últimas semanas, brilharam na mídia as palavras juros, crise e pânico. Como a histeria financeira ainda parece longe de passar, é hora de voltar à vaca-fria - expressão antiga e popular que quer dizer retomar algo deixado para trás no atropelo da conversa, mas que não se considera devidamente resolvido. Nesse sentido da retomada de um assunto que é um verdadeiro jogo de xadrez para o Nosso Guia: a disputa entre o PT e PMDB na Câmara e no Senado.
Começou quente a disputa pela presidência do Senado e da Câmara dos Deputados. As eleições estão marcadas para fevereiro do ano que vem, mas desde já se sabe que pode acontecer qualquer coisa, menos o acordo do rodízio firmado há dois anos entre PT e PMDB ser cumprido na sua integralidade.
Esse pacto entre os dois maiores partidos da base aliada do governo é para se revezarem no comando das duas casas do Congresso. Pelo que havia sido combinado, seria a vez do PT de chefiar o Senado e do PMDB a Câmara, invertendo os papéis.
Nunca é demais lembrar que, na recentíssima eleição para as prefeituras, o PMDB foi o partido vencedor e revigora-se confortavelmente para começar a reivindicar o que acha ter direito e começa a criar corpo para lançar candidato próprio às eleições majoritárias que se aproximam.
Um detalhe muito importante não pode ser ignorado sobre a relevância do tema: os próximos presidentes das duas Casas do Congresso comandarão o parlamento em pleno processo de sucessão do Nosso Guia, cujo sucesso em boa medida depende da preservação da harmonia na aliança partidária que sustenta o governo e tem naqueles dois partidos os principais parceiros.
Ao se digladiarem, se tornarão incompatíveis à sustentação do projeto do Nosso Guia de eleger o sucessor corre sério risco. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, começou a perder a chance de ser substituído por um aliado dois anos antes, quando os então senadores Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho quase vão às vias de fato no plenário.
A rixa quebrou o equilíbrio da aliança, repercutiu na disputa pelas presidências do Legislativo no ano seguinte, a combinada divisão de cargos entre PMDB e PFL foi para o espaço, o PSDB fez de Aécio Neves presidente da Câmara, o PFL reagiu e ali considerou encerrado seu compromisso de lealdade com Fernando Henrique.
Desse disse-me-disse, surgiu a candidatura de Roseana Sarney, cujo fracasso foi atribuído pelo PFL a subterfúgios engendrados pelo candidato tucano José Serra, e o resto da história está registrado nos anais da dispersão do campo governista até a derrota final para Nosso Guia. Evidentemente que o presidente não vai querer que lhe aconteça o mesmo e deve se empenhar para manter o PMDB, que sai das urnas mais forte do que nunca, na sua base.
Agora, uma nova rixa ameaça quebrar esse equilíbrio. Recolhido ao ostracismo desde que fora compelido a renunciar à presidência do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) retorna à cena movido por uma obsessão: infernizar a vida de Tião Viana (PT-AC), impedindo-o de chegar ao comando da Casa. Calheiros, que em 2007 renunciou ao cargo para não ser cassado por falta de decoro, manobra para manter o seu partido no posto, com José Sarney (PMDB-AP) ou Romero Jucá (PMDB-RR).
O senador Calheiros guarda profundas mágoas de Viana. Avalia que o petista, quando comandou interinamente o Senado, não se esforçou para impedir a chegada dos processos à Mesa Diretora. O alagoano agora quer vingança. Pelo pacto, porém, um veto a Viana inviabilizaria o nome de Michel Temer (PMDB-SP) para a presidência da Câmara.
O jogo de xadrez exigirá do Nosso Guia muita habilidade e um bocado de astúcia. No caso da quebra do escrito, fica na vantagem o PMDB, cuja mercadoria será disputada numa verdadeira queda-de-braço no mercado da sucessão, ou o PT, cujo poder central estará em jogo e não tem nada a oferecer? Até por uma questão de custo-benefício, se tudo não for resolvido na santa paz, Nosso Guia, na posição de quem parte e reparte, ficará com quem puder lhe proporcionar a melhor parte.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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