sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Os riscos do transporte "limpo"


Os ecologistas pregam a necessidade inadiável, para o homem moderno, de libertar-se do domínio do automóvel e dar preferência ao transporte "limpo". Os cardiologistas também alertam que o sedentarismo é o caminho mais curto para o infarto do miocárdio. Os sedentaristas concordam e prometem mudar seu ritmo de vida tão logo as condições favoreçam. Quem sabe nas próximas férias, talvez depois do Círio, das festas de Natal ou Ano-Novo. De adiamento em adiamento, a vida vai passando e as coronárias entupindo de gorduras saturadas.
Caminhar, pois, é preciso. Então, comecei a caminhar na Praça Batista Campos. Espartanamente, sem qualquer adereço, tênis de marca ou celular. Mesmo assim, ainda fui abordado e obrigado a "pagar pedágio", com os R$ 5,00 que portava, discretamente, no bolso da bermuda. O tênis, não levaram porque era made in China, via Paraguai. O relógio, idem. Mesmo assim, fui aconselhado a andar com um dinheirinho a mais para não estar desprevenido numa próxima ocasião. Preferi não aguardar essa nova "oportunidade".
Na minha curta e movimentada "carreira" de caminhante na praça, ainda sobrevivi a dois atropelamentos de bicicletas e a um tiroteio de policiais perseguindo pivetes, com balas perdidas procurando "achar" algum desavisado inocente pedestre ou caminheiro. Procurei , então, aderir ao transporte "limpo." Andar de bicicleta, eis a alternativa ecologicamente correta e menos arriscada (!), pensei, então. Ledo Ivo engano.
No primeiro dia de "passeio", descobri que não existem ciclovias no bairro onde moro, Canudos. Na Terra Firme, também não... Saí procurando pela vizinhança e acabei desembocando na Almirante Barroso, após "escapar" de ser esmagado por enorme carreta e de sair da pista desequilibrado e empurrado por dois ônibus Canudos Ver-o-Peso, que porfiavam furiosamente, soltando fumaça adoidado. Enfim, aparentemente são e milagrosamente salvo, consegui "adentrar" na badalada ciclovia da Almirante Barroso, tida e havida pela propaganda oficial da Prefeitura de Belém como uma das "melhores do Brasil"... Quanta desilusão com a propaganda enganosa! Não cheguei a pedalar 500 metros. Fui interceptado por dois "companheiros" ciclistas com um convite nada sutil: "Vamos lá, dr. Deixe a bike com a gente e não vai lhe acontecer nada de mal"...
Nada também mais disse. Nem precisava. Assim encerrei minha breve "experiência" como adepto do transporte "limpo". Do episódio, aprendi que não deveria mais "brincar com a sorte". Quando deparo com dois cavalheiros sem camisa, numa bike, procuro logo sair da frente e me tornar "invisível"...
Essa é uma das faces mais neuróticas do caos urbano de Belém. Trabalhadores decentes que utilizam a bicicleta como meio mais barato de transporte acabam sendo também discriminados. A CTBel não exerce qualquer controle sobre esse meio de transporte não motorizado, mas que também pode atropelar e até matar. Afinal, a bicicleta não é um veículo?
Outro dia, assisti a uma cena típica desse descontrole de nosso trânsito caótico/neurótico. Um ciclista amalucado, na contramão, na badalada esquina da Braz com Quintino, atropelou um idoso e seguiu na maior descontração, como se nada tivesse acontecido. Amparei o idoso que, felizmente, apresentava apenas escoriações leves, como dizem os "especialistas". Um agente da CTBel a tudo assistia com total apatia. Perguntei-lhe, então, se não ia tomar nenhuma providência. E ele: "Mas, como, se bicicleta não tem placa para multar"?
Nada mais disse, nem também lhe foi perguntado. Por absoluta falta de objeto, como dizem os nobres causídicos, data venia, smj.

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FRANCISCO SIDOU é jornalista.

Do Espaço Aberto:
O “smj”, de vez em quando usado pelo articulista em seus textos, são as iniciais de “salvo melhor juizo” (salvo melhor entendimento), expressão muito utilizada no juridiquês por magistrados e nobres causídicos.
Aliás, também é usada pelos que são causídicos, mas não são tão nobres assim.

Um comentário:

  1. O belenense enfrenta uma odisséia pra chegar ao trabalho todo dia.É pena não termos ciclovias na cidade. Nem corredores exclusivos pra ônibus. Nem placas nas bicicletas. Nem estacionamentos públicos administrados pela prefeitura. Nem vergonha na cara aqueles que se dizem administradores de uma cidade caótica. Tempo desse uma moça paranaense veio de Curitiba pra Belém e perguntei a ela qual a primeira impressão que teve da minha cidade. Resposta: "é muita suja. Tem sujeira em todo lugar". Tem muita sujeira mesmo, mas a sujeira maior é a omissão de um guarda de trânsito, como foi relatado acima. Omissão de um policial que vê, por exemplo, um carro estacionado com o som a todo volume e não questiona, não pergunta a si mesmo que também é sua obrigação mandar o sujeito ou diminuir drasticamente o volume ou mandar desligar o barulho. Eduquemos nossas crianças desde já pra que não se repitam absurdos e deseducação hoje correntes.

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