O alenquerense, procurador aposentado do Ministério Público do Estado e advogado Luiz Ismaelino Valentino escreveu em 2003 a crônica intitulada "Marambiré". O blog a publica para que seus leitores conheçam um pouco mais sobre a dança que agora é patrimônio cultural e artístico do Pará. A foto ao lado mostra uma das formações do cordão do Marambiré, com o Carolino (Rei do Congo) tendo à sua direita a Dona Coroca (Rainha do Congo). "O Pacoval e o Marambiré do tempo antigo continuam indeléveis na memória dos alenquerenses", diz Ismaelino. Leia a crônica.
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Um belo dia, no começo da década de 1970, eu e meu irmão Flaiury resolvemos homenagear os quilombolas do Pacoval - distrito do município de Alenquer, um dos mais importantes ajuntamentos de negros escravos evadidos das fazendas de Santarém, que se formaram, por todo o século XIX, na região Oeste do Pará, ou Baixo Amazonas -, notabilizado por sua mandinga e pela fabricação de uma bebida, de fórmula até hoje secreta, o remédio dos pretos, poderoso soro antiofídico tão elogiado por Vital Brasil, do Instituto Butantã (SP).
Meu avô e meu pai contavam a lenda (eu nunca consegui saber se a história era verdadeira!...) de que um dos líderes do Pacoval, o preto Assis, casou-se com uma bela moça branca, de nome Rosa, rica e orgulhosa herdeira de comerciantes portugueses do Boulevard Castilho França, de Belém, que, entretanto, ao visitar Alenquer, em priscas eras, primeiro desprezou o quilombola, mas, depois, não resistiu aos encantos (ou terá sido ao feitiço?) do jovem do Pacoval, onde com ele passou a viver até morrer em idade provecta.
Criei, assim, um poema, que meu irmão musicou. A introdução da música - mistura, quiçá, de dialeto africano com dialeto indígena, cuja tradução literal nunca logrei obter -, reproduz a saudação inicial e a despedida da dança do Marambiré, cantadas na chegada e na saída das casas visitadas pelo cordão. Essa saudação/despedida comporta outras variações. Mas a versão que escolhemos para esta composição baseia-se no testemunho, colhido por meu avô e por meu pai, diretamente do velho Árgeo Milharal, abnegado cultor e mantenedor, durante muitos anos, dessa manifestação folclórica da cultura negra tipicamente alenquerense.
De fato, essa dança é conhecida, com algumas variações, em outras localidades do Baixo Amazonas, como no Flechal, de Óbidos, e Alter-do-Chão, em Santarém (onde é chamada muirambiré), mas, segundo a erudita, abalizada e insuspeita opinião do maestro Adelermo Matos, que fez pesquisas in loco patrocinadas pelo então prefeito José Valente, ainda nos anos sessenta do século passado, "o autêntico Marambiré é o que se pratica na vila do Pacoval de Alenquer" todos os anos, em cordões, entre o Natal e o dia de São Benedito (6 de janeiro), padroeiro daquela vila e do bairro da Luanda, mas, às vezes, esticado até à festa de São Sebastião (20 de janeiro), padroeiro do arqui-rival bairro do Aningal, e, também, em junho, durante os festejos de Santo Antônio, padroeiro da cidade - o que bem mostra o caráter fraterno, eclético e apaziguador do Marambiré.
Os trajes dos dançarinos do cordão do Marambiré são bem modestos (na verdade, são as "roupas de domingo" dos seus participantes), porém realçados por espelhos e cocares coloridos, feitos de fita, papel e penas de pássaros (que, em nome do ecologicamente correto, vêm sendo substituídas nos dias de hoje por outros materiais).
O ritmo da dança provém dos bumbos, pandeiros, cavaquinho e violão. As letras das músicas têm uma forte conotação religiosa (invocando principalmente São Benedito) e, ao mesmo tempo, rendem um tributo à nobreza - ao Rei e à Rainha do Congo e seus vassalos (com o tempo, graças ao fenômeno de transformação fonética, a palavra vassalos, quer dizer, os súditos do Rei e da Rainha do Congo, passaram a ser chamados de valsares, palavra que o léxico não registra).
O Pacoval e o Marambiré do tempo antigo continuam indeléveis na memória dos alenquerenses: gente como o Aralto, o mestre Eládio, a dona Coroca, o velho Árgeo Milharal, a Raimunda Poeira (que durante décadas foi uma inigualável Rainha do Congo), o Carolino, o Inácio, o Santa Rira e tanta gente que o tempo não esquece, jamais!
Nesta composição, meu irmão foi buscar, na música, o ritmo inconfundível do Marambiré, talvez enraizado no lundu, matriz de tantas outras danças de inspiração africana; e, na letra, procurei evocar o mais rico legado cultural do quilombo do Pacoval: seu remédio, sua mandinga, o Marambiré e uma belíssima história de amor.
Composta no começo da década de 1970 - e incluída na CD "Viva Alenquer" (produzido por Benedicto Monteiro em 2002), cantada por Lídia Leite -, a música Marambiré teve sua primeira apresentação pública, com arranjo do competente maestro Anselmo Queiróz, no Auditório "Nathanael Farias Leitão", em Belém, no dia 9 de janeiro de 2003, por ocasião da minha posse no cargo de Corregedor-Geral do Ministério Público do Estado do Pará.
Eis a letra (depois de cada quadra, repete-se o refrão):
Meu avô e meu pai contavam a lenda (eu nunca consegui saber se a história era verdadeira!...) de que um dos líderes do Pacoval, o preto Assis, casou-se com uma bela moça branca, de nome Rosa, rica e orgulhosa herdeira de comerciantes portugueses do Boulevard Castilho França, de Belém, que, entretanto, ao visitar Alenquer, em priscas eras, primeiro desprezou o quilombola, mas, depois, não resistiu aos encantos (ou terá sido ao feitiço?) do jovem do Pacoval, onde com ele passou a viver até morrer em idade provecta.
Criei, assim, um poema, que meu irmão musicou. A introdução da música - mistura, quiçá, de dialeto africano com dialeto indígena, cuja tradução literal nunca logrei obter -, reproduz a saudação inicial e a despedida da dança do Marambiré, cantadas na chegada e na saída das casas visitadas pelo cordão. Essa saudação/despedida comporta outras variações. Mas a versão que escolhemos para esta composição baseia-se no testemunho, colhido por meu avô e por meu pai, diretamente do velho Árgeo Milharal, abnegado cultor e mantenedor, durante muitos anos, dessa manifestação folclórica da cultura negra tipicamente alenquerense.
De fato, essa dança é conhecida, com algumas variações, em outras localidades do Baixo Amazonas, como no Flechal, de Óbidos, e Alter-do-Chão, em Santarém (onde é chamada muirambiré), mas, segundo a erudita, abalizada e insuspeita opinião do maestro Adelermo Matos, que fez pesquisas in loco patrocinadas pelo então prefeito José Valente, ainda nos anos sessenta do século passado, "o autêntico Marambiré é o que se pratica na vila do Pacoval de Alenquer" todos os anos, em cordões, entre o Natal e o dia de São Benedito (6 de janeiro), padroeiro daquela vila e do bairro da Luanda, mas, às vezes, esticado até à festa de São Sebastião (20 de janeiro), padroeiro do arqui-rival bairro do Aningal, e, também, em junho, durante os festejos de Santo Antônio, padroeiro da cidade - o que bem mostra o caráter fraterno, eclético e apaziguador do Marambiré.
Os trajes dos dançarinos do cordão do Marambiré são bem modestos (na verdade, são as "roupas de domingo" dos seus participantes), porém realçados por espelhos e cocares coloridos, feitos de fita, papel e penas de pássaros (que, em nome do ecologicamente correto, vêm sendo substituídas nos dias de hoje por outros materiais).
O ritmo da dança provém dos bumbos, pandeiros, cavaquinho e violão. As letras das músicas têm uma forte conotação religiosa (invocando principalmente São Benedito) e, ao mesmo tempo, rendem um tributo à nobreza - ao Rei e à Rainha do Congo e seus vassalos (com o tempo, graças ao fenômeno de transformação fonética, a palavra vassalos, quer dizer, os súditos do Rei e da Rainha do Congo, passaram a ser chamados de valsares, palavra que o léxico não registra).
O Pacoval e o Marambiré do tempo antigo continuam indeléveis na memória dos alenquerenses: gente como o Aralto, o mestre Eládio, a dona Coroca, o velho Árgeo Milharal, a Raimunda Poeira (que durante décadas foi uma inigualável Rainha do Congo), o Carolino, o Inácio, o Santa Rira e tanta gente que o tempo não esquece, jamais!
Nesta composição, meu irmão foi buscar, na música, o ritmo inconfundível do Marambiré, talvez enraizado no lundu, matriz de tantas outras danças de inspiração africana; e, na letra, procurei evocar o mais rico legado cultural do quilombo do Pacoval: seu remédio, sua mandinga, o Marambiré e uma belíssima história de amor.
Composta no começo da década de 1970 - e incluída na CD "Viva Alenquer" (produzido por Benedicto Monteiro em 2002), cantada por Lídia Leite -, a música Marambiré teve sua primeira apresentação pública, com arranjo do competente maestro Anselmo Queiróz, no Auditório "Nathanael Farias Leitão", em Belém, no dia 9 de janeiro de 2003, por ocasião da minha posse no cargo de Corregedor-Geral do Ministério Público do Estado do Pará.
Eis a letra (depois de cada quadra, repete-se o refrão):
MARAMBIRÉ
Aiuê te-cundê
Gurupê, moaxiá, (bis)
Ambirá,
Bambauá ererê!
O marambiré
É do Pacoval (refrão / bis)
Terra de puro sangue
Raça que não tem mal.
I
Não há beleza mais linda
Nem nas noites de luar
Que com a beleza da Rosa
A gente vá comparar.
II
A senhora Dona Rosa
Era prosa sim senhor:
- Rosa sem ter espinhos
Não é rosa e não é flor.
III
Do remédio desses pretos
Basta só uma colher:
- Pois se doma até as cobras
Quanto mais uma mulher!
IV
Não há feitiço que doa
Quando é de bem querer:
- Em Pacoval, terra boa,
Dona Rosa foi viver.
V
A senhora Dona Rosa
Se casou com o preto Assis:
- Mas se antes era prosa
Ao depois viveu feliz!
VI
Foi a Rainha do Congo
Que dançou no terreiro:
É a rainha da festa
É a mulher do guerreiro
Foi a Rinha do Congo
Que dançou o terreiro
É a rainha da festa
É a Raimunda Poeira!!
Aiuê te-cundê
Gurupê, moaxiá,
Ambirá,
Bambauá ererê!
Aiuê te-cundê
Gurupê, moaxiá, (bis)
Ambirá,
Bambauá ererê!
O marambiré
É do Pacoval (refrão / bis)
Terra de puro sangue
Raça que não tem mal.
I
Não há beleza mais linda
Nem nas noites de luar
Que com a beleza da Rosa
A gente vá comparar.
II
A senhora Dona Rosa
Era prosa sim senhor:
- Rosa sem ter espinhos
Não é rosa e não é flor.
III
Do remédio desses pretos
Basta só uma colher:
- Pois se doma até as cobras
Quanto mais uma mulher!
IV
Não há feitiço que doa
Quando é de bem querer:
- Em Pacoval, terra boa,
Dona Rosa foi viver.
V
A senhora Dona Rosa
Se casou com o preto Assis:
- Mas se antes era prosa
Ao depois viveu feliz!
VI
Foi a Rainha do Congo
Que dançou no terreiro:
É a rainha da festa
É a mulher do guerreiro
Foi a Rinha do Congo
Que dançou o terreiro
É a rainha da festa
É a Raimunda Poeira!!
Aiuê te-cundê
Gurupê, moaxiá,
Ambirá,
Bambauá ererê!
Nossa estranho cade a historia da vestimemta?
ResponderExcluirNão consigo visualizar hinos do animal e internacionais do cd viva Alenquer.
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