terça-feira, 25 de agosto de 2020

E se você, jornalista, dissesse a Bolsonaro: "vontade de encher a tua boca de porrada, seu boca porca", o que lhe aconteceria?

Como já se disse aqui - e muitos estão dizendo -, ninguém se engane com essa dita fase paz e amor de Bolsonaro, porque o novo Bolsonaro é um fake. E como fake, não existe.

Não.

Bolsonaro, calmo, é capaz de vomitar 29 palavrões numa "reunião de trabalho".

Higiênico, é capaz de passar a mão no próprio catarro e cumprimentar correligionário.

Democrata, é capaz de cair na tentação de chamar os tanques para intimidar o Supremo.

Educado e cortês, tem arrepios de excitação só de pensar em "encher tua boca de porrada", referindo-se a jornalista que lhe faz pergunta das mais pertinentes, lógicas e obrigatórias - porque de interesse público.

A pergunta é essa aí que está no título de editorial publicado na edição desta terça-feira (25), do jornal O Globo.

Bolsonaro - calmo, higiênico, democrata, educado e cortês - será o mesmo Bolsonaro que sempre foi: um cidadão com manias de persecutórias; um governante incapaz de governar o país com um mínimo de inteligência e bom senso; um autocrata que, sai dia, entra dia, tem sonhos orgásmicos com ditaduras que esfolaram e mataram, como a inaugurada em 1964, no Brasil; um intolerante que vê na Imprensa independente não uma instância legítima e necessária de fiscalização dos atos do Poder Público, mas uma inimiga a ser confrontada - se possível "na porrada".

Esse é Bolsonaro.

Como registrado no editorial do Globo, sua agressão a uma pergunta pertinente não foi uma resposta.

Foi uma reação - despudorada, violenta, ignóbil, imbecil e injustificada - de quem, nada tendo a dizer, a argumentar, explicar ou justificar, elege a "porrada" como argumento.

E pensar que tantos jornalistas, cuja missão exponencial é acionar suas lupas e seu senso crítico contra governantes que destoam de condutas éticas aceitáveis, não têm o menor pudor em considerar condutas como a de Bolsonaro simplesmente como "o exercício da liberdade de expressão".

É?

Se eu, um jornalista, dissesse a Bolsonaro: "vontade de encher a tua boca de porrada, seu boca boca porca", provavelmente seria preso na hora, por ameaça à mais alta autoridade da Nação. Ou por injúria. Ou por qualquer outro motivo.

Mas Bolsonaro pode arrotar suas pretensões de me agredir porque eu, na condição de jornalista, no exercício do meu mister profissional, fiz-lhe uma pergunta de interesse público É isso?

Perfeito.

Se for assim, vou me me mudar pra Terra plana, porque nesta Terra redonda, todos os conceitos universalmente consagrados - de jornalismo, de liberdade de expressão e de democracia - já foram para os cafundós.

Há muito tempo.

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