quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Cães de palha


O Espaço Aberto recebeu por e-mail enviado de Brasília, pelo advogado Ismael Moraes, o seguinte artigo, sob o título acima.

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Meu caro amigo Bemerguy, nunca sequer bebemos um vinho ou comemos algo juntos, mas possuímos, acredito, uma empatia e uma sintonia incomum. Sempre que conversamos – a maioria das vezes por telefone – fico impressionado como, ao fim de nossos debates, nos entendemos, ainda que discordando.
Obtive a informação do evento terrível que fulminou a vida da sua amiga Suely aqui em Brasília, conversando com um desembargador que conheço desde quando ele era juiz federal, e que dela se lembrava, sabendo inclusive tratar-se de uma irmã do Dr. Antonio Campelo, que trabalhava também na Justiça Federal. Após a conversa, acessei incontinenti o Espaço Aberto e deparei o seu sofrimento. Liguei e você atendeu, com a voz de quem estava destruído, amputado, sem o chão.
Após nossa conversa a ficha foi caindo. Como podemos nos acostumar com as notícias quotidianas de assaltos, estupros, mortes e toda sorte de violências em Belém? Em que estamos nos transformando? Será que essa será mais uma morte em vão, que após alguns dias será aceita como algo banal, que poderia acontecer com qualquer um, como se fora algo “normal”? A família dessa moça arcará sozinha com esse peso, com esse arrebatamento, para sempre, assim como tantas outras?
Não, meu amigo, não acredito que estejamos discernindo o que está acontecendo entre nós, que vivemos, crescemos, criamos nossos filhos, e tentamos continuar uma “civilização”! Não, meu amigo, não é possível que estejamos deixando que o egoísmo de nossas vidas privadas superem a nossa obrigação coletiva de resolvermos aquilo que nos fustiga como grupo, como sociedade, que, em tese, tem o mesmo objetivo de bem comum!  
Se esquecermos de que forma ocorreu a morte dessa mulher, dessa moça, dessa pessoa que para os irmãos, pais e amigos ainda é a mesma menina doce com quem conviveram e sabem dos seus mais genuínos sentimentos. Se isso ocorrer, se deixarmos isso passar como mais um evento normal da Belém atual, então, meu amigo, sejam quem forem os criminosos que perpetraram a barbárie, não somos tão diferentes deles, porque nos tornamos partícipes dos seus atos enquanto espectadores resignados, espetáculo dos qual passamos a fazer parte, por uma osmose conivente, de uma sociedade que nossa omissão ajudou a formar.
Se isso passar, nos próximos dias, em branco, nossa diferença dos bandidos será apenas na forma da covardia.  
Somos de verdade criaturas de Deus, ou representamos aqui apenas uns meros cães de palha[1], como se estivéssemos num ritual diário, que de vez em quando fará um de nós ser descartado como algo banal?
Acredito que devamos nos reunir, nas escolas, nos locais de trabalho, nas igrejas, nas entidades de classe, e, sem motivação partidária, procurar meios, formas e fins para lutar contra esse estado de coisas a que chegamos.
Como inciaremos?


[1]Jonh Gray no livro “Cachorros de Palha” (p. 50) diz: “Nos antigos rituais chineses, cachorros de palha eram usados como oferendas para os deuses. Durante o ritual, eram tratados com a mais profunda referência. Quando terminava, e não sendo mais necessários, eram pisoteados e jogados fora: “Céu e terra não tem atributos e não estabelecem diferenças: tratam as miríades de criaturas como cachorros de palha.” Se os humanos perturbarem o equilíbrio da Terra, serão pisoteados e jogados fora. O críticos da teoria Gaia dizem que a rejeitam porque não é científica. A verdade é que têm medo e ódio da teoria, porque isso significa que os humanos nunca podem ser nada além de cachorros de palha”

2 comentários:

Anônimo disse...

Venho me solidarizar com todos que perderam essa moça...Sei o que vcs estão passando e sentindo,sei a dor que é essa...Sei sim,recentemente,mais precisamente em setembro,25 de setembro de 2013,meu primo,SD BOMBEIRO OTAVIO GONÇALVES e LUCAS,sobrinho nosso,ambos jovens...Bombeiro Otavio ,31 anos e Lucas,18 anos...Foram trucidado a tiros em plena duque de caxias as 10 da manha,por 3 vagabundos,lixos humanos da sociedade...Até hoje a nossa familia chora a perda desses meninos,uma dor tão grande que até o tempo é incapaz de apagar.
Os assassinos foram pegos,más nada trará nossos meninos de volta...nada.
Meus sentimentos Bemerguy,compartilha sua dor e sentimentos,pois igual dor estou sentindo até hoje...Aonde Belém irá parar?

Anônimo disse...

É a dura verdade: nos "acostumamos" com a banalidade que é a vida, infelizmente.
Vidas sendo ceifadas diariamente, sob todas as formas de violência.
E nós, perigosamente, vamos perdendo a capacidade de indignação, ao contrário, nos "adaptamos" a essa situação de barbárie.
Mas...tem carnaval, copa do mundo, eleições, e lá vamos nós, bovinamente "si acostumando" com a estupidez diária.
Os tais três (podres) poderes estão e estarão sempre muito ocupados para olhar pra isso.