quinta-feira, 16 de junho de 2022

Dom e Bruno serão outros mártires à toa?


ISMAEL MORAES
Advogado socioambiental

Conheci o jornalista Dom Phillips em 2018, quando procurou entrevistar-me acerca da história de contaminações e de mais um despejo de efluentes industriais que a Hydro Alunorte fez sobre comunidades de Barcarena, fato acerca do qual o presidente mundial da multinacional norueguesa Norsk Hydro, proprietária daquela indústria, pediu desculpas, assumindo a autoria, após a Cainquiama, associação popular de Barcarena, acusa-la incansavelmente, ao liderar as manifestações que chegaram ao conhecimento do mundo.
Além do painel contextual da poluição em Barcarena, Dom queria saber mais detalhes acerca do assassinato do diretor da Cainquiama Paulo Nascimento, um dos mais atuantes nas manifestações de rua em Barcarena. Paulo hoje é um mártir esquecido. Paulo foi assassinado, tudo indica, a mando de pessoa ligada a uma das dezenas de pequenas empresas terceirizadas que prestam serviços para a Hydro Alunorte, e que ficaram em risco de fechar com a paralisação das atividades industriais.

"Devemos mostrar aos nossos filhos os propósitos pelos quais Dom e Bruno deram a vida, e fazer com que não sejam mártires à toa"


Em agosto do ano passado, Dom veio ao Pará (Belém e Barcarena) e, mais uma vez, falamos sobre as agressões à Amazônia. Escrevia um livro em que pretendia denunciar o que apurava ao mundo.
Dom, um britânico, não poderia supor que, quatro anos após, seria mais um mártir amazônico, assassinado também por alguém da ponta dos tentáculos dos centros de poder e da intrincada teia de interesses sobre o subsolo amazônico, que levou à política de desmonte da fiscalização ambiental e de proteção aos índios. Os irmãos que assassinaram ele e Bruno também servem a “terceirizados” ligados às estruturas do próprio governo, a narcotraficantes, a diversos interesses na ocupação da superfície e na exploração do subsolo de reservas. 
Dom morreu pelo que queria: chamar a atenção do mundo para a destruição da Amazônia. Bruno morreu pelo que queria: chamar a atenção do mundo para o genocídio dos indígenas.
Mas que Dom e Bruno não sejam apenas mártires instantâneos, assim como Paulo Nascimento foi em 2018. 
Devemos discernir sobre isso e mostrar aos nossos filhos os propósitos pelos quais deram a vida, e fazer com que não sejam mártires à toa.

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