Eis uma carta histórica e comprobatória de que não foi por falta de aviso, recomendação e alerta que Bolsonaro minimizou - para não dizer desprezou - os gravíssimos riscos da pandemia.
Já em 28 de março do ano passado, bem no início da crise sanitária de dimensões mundiais, o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, escreveu uma carta para o presidente, alertando sobre os riscos da pandemia.
No texto, o ministro recomenda que o Executivo “reveja o posicionamento adotado, acompanhando as recomendações do Ministério da Saúde, uma vez que a adoção de medidas em sentido contrário poderá gerar colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população”.
E o que fez Bolsonaro, a partir de então?
Nada.
Ou melhor, fez tudo.
Tudo para agravar a tragédia epidemiológica que àquela altura já se esboçava.
A carta foi revelada há pouco, na CPI da Pandemia (confira, no vídeo, o momento em que Mandetta fala sobre o assunto).
A íntegra do texto é o seguinte:
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No dia 03 de janeiro de 2020, este Ministério, por
intermédio de sua Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS), detectou rumores
a respeito de casos de “pneumonia atípica”, oriunda da China, que estaria
infectando diversas pessoas e produzindo significativo número de óbitos. Assim,
com base no Regulamento Sanitário Internacional (RSI), antecipou-se a revisão
de protocolos relativos ao Preparo, Vigilância e Resposta à Influenza no
Brasil.
No dia 22 de janeiro de 2020, em observância a sua missão
institucional de implementar medidas de saúde pública para a proteção da saúde
da população, para a prevenção e controle de riscos, agravos e doenças, o
Ministério da Saúde ativou o Centro de Operações de Emergências em Saúde
Pública para o novo Coronavírus (COE-nCoV). Destacando-se que entre os dias
03 a 27 de janeiro, o Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em
Saúde (CIEVS) Nacional já havia analisado 7.063 rumores, sendo que 127 desses
rumores exigiram a verificação de veracidade junto ao Ponto de Contato
Regional da OMS para o RSI.
Ressalte-se ainda que, entre os dias 18 e 27 de janeiro de
2020, a SVS/MS recebeu a notificação de 10 casos para investigação de
possível relação com a Infecção Humana pelo novo Coronavírus – Covid-19.
Todas as notificações foram recebidas, avaliadas e discutidas, caso a caso,
com as autoridades de saúde dos estados e municípios. De 10 casos, somente um
(1) caso notificado em 27/01 se enquadrava na definição de caso suspeito. Os
demais não cumpriram a definição de caso, foram excluídos e apresentaram
resultado laboratorial para outros vírus respiratórios.
Neste mesmo ínterim, até o dia 27 de janeiro de 2020,
segundo a OMS, já estavam confirmados 2.798 casos de Covid-19 no mundo. Destes,
2.761 (98,7%) foram notificados pela China, incluindo as regiões
administrativas especiais de Hong Kong (8 casos confirmados), Macau (5 casos
confirmados) e Taipei (4 casos confirmados).
Em 30 de janeiro de 2020, após reunião com
especialistas, a OMS declarou Emergência de Saúde Pública de Importância
Internacional (ESPII) em razão da disseminação do Covid-19. Naquele momento,
havia 7,7 mil casos confirmados e 170 óbitos na China, principal local de
disseminação do vírus, e 98 casos em outros 18 países. No Brasil, nove
casos estavam sendo investigados.
Em 3 de fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde
declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em
decorrência da infecção humana pelo Covid-19, por meio da Portaria MS n°
188, e conforme Decreto n° 7.616, de 17 de novembro de 2011.
Em 06 de fevereiro foi aprovada a Lei n° 13.979, de 2020,
que dispõe sobre as medidas de emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Todas
as normas foram editadas antecipadamente ao primeiro caso confirmado do
Covid-19 no Brasil (26/02/2020) e em consonância com o disposto sobre preparo
para emergências no âmbito do Regulamento Sanitário Internacional.
Para garantir a transparência na comunicação sobre as
ações de vigilância e controle do Covid-19 e no sentido de esclarecer à
população sob medidas de orientação e prevenção, o Ministério da Saúde realizou
um total de 49 coletivas de imprensa nos últimos 65 dias (a primeira em 23 de
janeiro), 109 releases, 1.550 atendimentos a demandas de imprensa, 50 vídeos
produzidos e publicados pela TV Saúde, 8 vídeos-cartões para uso nas redes
sociais, 21 matérias de rádio produzidas pela Web Rádio Saúde, dentre outros, o
que fortaleceu a confiança da população brasileira nas medidas que vem sendo
tomadas pelo Ministério da Saúde, além dos dados e projeções epidemiológicas
realizadas por especialistas, bem como do estudo diário sobre a resposta de
outros países à pandemia.
Em 25 de março, a OMS confirmou um total de 413.467 casos
de Covid-19 e 18.433 óbitos no mundo. Destes, a Região das Américas conta com
60.834 casos confirmados e 813 óbitos. Sendo mantidas pela OMS as recomendações
de medidas de mitigação para estados de Pandemia global. No Brasil, em 26 de
março o total de casos confirmados no Brasil era de 3.498. Cuja distribuição
era de 4,3% na Região Norte, 15,7% na Região Nordeste, 57,1% na Região Sudeste,
9,4% na Região Centro-Oeste e 13,5% na Região Sul.
Cabe dizer ainda que o Ministério da Saúde participou de
sessões informativas da OMS, de reuniões virtuais coordenadas pela Organização
Panamericana da Saúde (OPAS), além de encontros virtuais com representantes de
saúde do MERCOSUL, PROSUL e G20, onde pôde verificar o prognóstico do colapso
dos sistemas de saúde nos próximos meses. O que denota a necessidade de que o
Brasil tome medidas que evitem o aumento exacerbado do número de casos com
necessidades de atenção e cuidado de média e alta complexidade nas redes de
serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Situação já observada nos sistemas de
países como Itália, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos, dentre outros, apesar
das diferenças dos respectivos setores de saúde.
Diante desse cenário, eu, como Ministro da Saúde e na
minha missão como gestor do Sistema Único de Saúde busquei promover a
integração entre os Poderes da República para o fortalecimento da resposta à
epidemia nacional. No dia 16 de março, em reunião com com os membros do
Tribunal de Contas da União apresentei a todos os Ministros da Corte de Contas
e ao Ministro da Controladoria Geral da União o cenário nacional da emergência
em saúde, ressaltando a necessidade do estabelecimento de novos paradigmas para
funcionamento da Administração Pública.
Ato contínuo, naquele mesmo dia, em reunião no Supremo
Tribunal Federal, com a presença dos membros da Suprema Corte, dos Presidentes
dos Tribunais Superiores, do Presidente da Câmara dos Deputados, do Presidente
do Senado Federal, do Presidente do Tribunal de Contas da União, do
Procurador-Geral da República, do Ministro da Advocacia-Geral da União,
apresentei o cenário técnico do setor saúde (riscos e agravos sobre a infecção
pelo Covid-19), além de medidas de saúde pública necessárias à prevenção e
controle da resposta à epidemia, para as quais se faz premente o esforço
conjunto dos órgãos superiores da República.
Cabe ressaltar que no mesmo dia 16 de março, sem a
participação desta Pasta, foi editado o Decreto n. 10.277, de 2020, que
instituiu o Comitê de Crise para supervisão e monitoramento dos impactos da
Covid-19, e mais ações de outros setores foram integradas às medidas sanitárias
que vinham sendo tomadas pelo Ministério da Saúde desde fevereiro.
Assim, em que pese todo esforço empreendido por esta Pasta
para proteção da saúde da população e, via de consequência, preservação de
vidas no contexto da resposta à epidemia da Covid-19, as orientações e
recomendações não receberam apoio deste Governo Federal, embora tenham sido
embasadas por especialistas e autoridades em saúde, nacionais e internacionais,
quais sejam, o isolamento social e a necessidade de reconhecimento da
transmissão comunitária.
Acrescente-se ainda o alerta já feito por esta Pasta a
respeito de outras viroses que terão seu ciclo epidêmico agravado em
concomitância coma epidemias do Covid-19. Além do aumento da mortalidade por
doenças diversas, como vem ocorrendo em outros países, devido à sobrecarga dos
sistemas de saúde.
Imperioso, sobretudo, zelar pelos médicos, enfermeiros e
todos os profissionais de saúde, por serem a principal linha de frente do
trabalho em saúde no país, constituindo o grupo de maior risco, uma vez que são
os mais expostos.
Nesse sentido, tendo em conta que a atuação do Ministério
da Saúde no preparo, vigilância e resposta a pandemia pelo Covid-19, em
consonância com o Regulamento Sanitário Internacional (Decreto n. 10.212, de 30
de janeiro de 2020), fundamenta-se nos fatos apurados, nas evidências
científicas e na observância dos princípios e regras que alicerçam os direitos
e garantias fundamentais de todo cidadão brasileiro, recomendamos,
expressamente, que a Presidência da República reveja o posicionamento adotado,
acompanhando as recomendações do Ministério da Saúde, uma vez que a adoção de
medidas em sentido contrário poderá gerar colapso do sistema de saúde e
gravíssimas consequências à saúde da população.
LUIZ HENRIQUE MANDETTA
Ministro de Estado da Saúde.”
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