quarta-feira, 4 de outubro de 2017
Empresas se recusam a pedir desculpas a indígenas
Cerca de 150 indígenas da etnia Munduruku se reuniram semana passada na aldeia Missão Cururu, no rio Cururu, em Jacareacanga, no Pará, a cerca de 1,7 mil quilômetros da capital, Belém. Mulheres, caciques, guerreiros, pajés, cantores e crianças se dividiram em dezenas de embarcações que partiram de vários pontos do território Munduruku, levando peixe e farinha para garantir a alimentação de todos durante uma audiência pública em que eram aguardados representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério Público Federal (MPF) e das empresas donas das usinas Teles Pires e São Manoel, construídas no rio Teles Pires, no Mato Grosso. Ao chegarem na aldeia, entre os dias 28 e 29 de setembro de 2017, souberam que a Funai não enviou representantes e as empresas, em vez de comparecerem, enviaram ofícios ao MPF em que recusaram responsabilidade pelos danos aos indígenas. A ausência das empresas e da Funai foi recebida com revolta.
A audiência foi marcada como parte do acordo assinado em julho de 2017 pela Funai, MPF, empresas e indígenas que ocuparam os canteiros de obras da usina de São Manoel, uma das quatro barragens que o governo brasileiro constrói no rio Teles Pires, formador da bacia do Tapajós que nasce no norte do Mato Grosso e deságua no sudoeste do Pará. O acordo tem as assinaturas de um representante da usina de São Manoel, um representante da usina Teles Pires, do presidente da Funai, Franklimberg Freitas, e do representante do MPF, e previa o atendimento a várias reivindicações dos indígenas afetados pelas usinas, incluindo um pedido formal de desculpas das empresas e esclarecimentos sobre os impactos causados.
Os indígenas atingidos pelo complexo de hidrelétricas acusam as empresas e o governo de impedirem a continuidade dos modos de vida tradicionais e de descumprirem as leis brasileiras que protegem o meio ambiente e os direitos dos povos originários. As empresas alegam que cumprem as exigências do órgão ambiental, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), mas já respondem a pelo menos 24 ações judiciais iniciadas pelo MPF por irregularidades no licenciamento ambiental. Os principais problemas jurídicos dizem respeito aos artigos 231 e 232 da Constituição brasileira e à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que protegem direitos indígenas.
Os impactos discutidos na reunião na Missão Cururu não são apenas em nível ambiental, mas também em nível espiritual. Os indígenas Munduruku, Apiaká e Kayabi, atingidos pelas usinas no Teles Pires – um total de, até agora, quatro barragens – apontam violentas perturbações espirituais causadas pela destruição de locais sagrados que ficavam onde hoje se localizam as hidrelétricas. A usina Teles Pires destruiu a cachoeira das Sete Quedas, chamada em língua munduruku de Karobixexé, ou mãe dos peixes, e a usina de São Manoel fez desaparecer o morro dos Macacos, chamado em munduruku de Dekuka'a.
A destruição desses locais sagrados provoca, no entendimento dos indígenas afetados, uma desorganização no mundo dos espíritos que traz consequências trágicas para a vida nas aldeias. A situação foi agravada porque, antes da construção das usinas, urnas funerárias indígenas foram encontradas pela empresa de arqueologia responsável pelos estudos de impacto ambiental e retiradas do local em que estavam, no ano de 2012. Para os Munduruku, a retirada das urnas configurou um roubo. Desde então, os indígenas tentam reaver o patrimônio arqueológico que consideram subtraído.
As urnas retiradas da floresta só foram descobertas pelos próprios Munduruku em 2013, durante uma visita aos escritórios da empresa de arqueologia Documento, em Alta Floresta, no Mato Grosso, próximo aos canteiros de obras das usinas de São Manoel e Teles Pires. A empresa fazia então os estudos de impacto da usina Teles Pires e, ao encontrar as urnas em área que seria alagada pela usina, resgatou o material arqueológico. Para os Munduruku, o que a usina chama de resgate foi a violação de um local sagrado que trouxe perturbações graves para seu modo de vida. A retirada das urnas gerou reações da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB). Uma das reivindicações dos indígenas é o estabelecimento de um local reservado para que as urnas fiquem fora das mãos de não-indígenas. Atualmente, as urnas funerárias estão em Alta Floresta, sob a guarda de um museu.
As empresas afirmam, nos ofícios enviados para justificar a ausência, que estão seguindo todos os regulamentos legais para a devolução das urnas, mas não mencionam a destruição dos locais sagrados. Em resposta, os Munduruku prepararam uma carta em que explicam a profundidade dos desgastes sofridos pela destruição dos lugares sagrados.
Fonte: Texto e fotos da Assessoria de Imprensa do MPF no Pará
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