segunda-feira, 12 de junho de 2017

A condenação no acidente aéreo de Anápolis

MARCELO HONORATO (*)

A recente sentença criminal, prolatada pelo Juiz Federal de Anápolis, referente ao acidente aéreo com o Beech 58, ocorrido lá mesmo em Anápolis, em 28.11.2008, tem gerado algumas discussões na comunidade aeronáutica.
Inicialmente, não vamos cair no penoso caminho de analisar o acerto ou equívoco do que decido, tampouco se os autos conseguiram espelhar o que de fato ocorreu, lá em 2008, até mesmo porque sempre haverá outras “verdades” – cada um com sua ótica. Possivelmente, a “verdade absoluta” nunca seja encontrada.
Para nós, o caminho escolhido será o de compreender quais são as consequências penais de um acidente aéreo, quando algum ato de indisciplina de voo possa estar presente na cadeia de causas do sinistro aéreo.
Pois bem, partindo do ponto em que a sentença reconheceu que um dos ocupantes da cabine de pilotagem teria realizado um tounneaux, empregando para tanto uma aeronave não habilitada ao voo acrobático, tampouco o suposto piloto tinha tal habilitação, ficou configurado o dolo de perigo, isto é, a vontade de inserir a aeronave em um cenário de risco não permitido. Segundo o magistrado: “Não se mostra razoável afirmar que o réu não tinha dolo de perigo diante das circunstâncias até aqui delineadas. Já foi visto que o réu procedeu a uma manobra acrobática de grande risco em uma aeronave inadequada a tanto”.
Se os fatos estivessem se encerrado aí, ou seja, só na manobra aérea de risco, já estaria consumado o delito de atentado contra a segurança do transporte aéreo simples (art. 261, caput), cuja pena vai de 2 a 5 anos. Contudo, como ainda ocorreu o sinistro aéreo (destruição da aeronave), a pena passa a ser de 4 a 12 anos (art. 261, §1º do CP).
Mais que isso, como também faleceram seis pessoas em conseqüência do acidente aéreo, ainda incide a causa de aumento em dobro (art. 263 do CP). Por isso a pena do piloto chegou a 11 anos de reclusão.
Relevante mencionar que, para se chegar a esses 11 anos de reclusão, o magistrado federal considerou grave a conduta do réu, em razão do profissionalismo que se espera dos aviadores: “A culpabilidade é grave, extremamente censurável e reprovável. O réu, pessoa instruída e do ramo da aviação civil, sabia da impossibilidade de o avião daquele porte realizar manobras acrobáticas […]”.
Assim, importante que os operadores aéreos tenham ciência de que a lei penal brasileira traz severas punições a condutas conscientes de risco à aviação, isto é, quando o agente coloca em perigo real uma aeronave, ainda que não deseje produzir um acidente. Atos e omissões, como a indisciplina de voo, mormente, podem levar ao campo criminal, cuja penalização pode chegar a 24 anos de reclusão.
Bem, esse caso ainda não se encerrou, pois pode haver recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mas deve servir de alerta aos aviadores e gestores da aviação.

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* O autor é juiz federal da 1ª Vara da Justiça Federal em Marabá e autor do livro "Crimes Aeronáuticos, que já está em sua 3ª edição, atualizada, e pode ser solicitado pelo e-mail crimesaeronauticos@gmail.com.

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