segunda-feira, 18 de julho de 2016
O crime organizado no governo Jatene e na Semas servindo à multinacional Bunge
ISMAEL MORAES – advogado socioambiental
Ao escrever o artigo O Pará e os Portos - Parte I, imaginava que ao redigir o prosseguimento, Parte II, iria falar sobre atitudes edificantes ou, no máximo, fazer críticas construtivas a algo que o Governo do Pará poderia melhorar. Mas tive que mudar o título.
É com profunda tristeza que devo falar em como a corrupção, a tão onipresente, entranhada, inseparável e invencível corrupção, que está no coração do Governo e acima dos interesses do Estado e do país, mais uma vez subtrai um valioso bem que nós paraenses temos, que são os portos naturais, conforme registrei no primeiro texto.
Eu então exaltei a atitude do Conselho Estadual do Meio Ambiente, presidido pelo Secretário de Meio Ambiente Luiz Fernandes, que acolheu por unanimidade o voto do secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, Adnan Demachki, condicionando a autorização de construção de porto pela empresa Odebrecht Transport a que ela apresentasse, em 180 dias, projeto de uma indústria que verticalizasse a produção de grãos no Pará. “Parece que algumas autoridades do Estado do Pará começaram a despertar”, registrei.
Mas eis que após mais de um mês denunciado ao titular da Semas acerca de atividades não licenciadas prejudiciais às comunidades do Furo do Arrozal, com muito custo essa Secretaria apenas emitiu uma Nota Técnica assinada por 2 engenheiros: um documento que garante que a multinacional norte-americana Bunge Alimentos S/A, flagrada instalando boias autorizadas pela Capitania dos Portos, mas que agiu fora da lei, possa aportar barcaças de soja fora do porto licenciado para tal fim.
E pior: que a empresa possa fazer isso violando a previsão do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), estudos que preveem a inexistência de nenhum impacto, sequer indireto, no local em que estão as boias à espera das barcaças. Esses requisitos das licenças ambientais foram assumidos pela Bunge Alimentos S/A, sucedeu a empresa Rio Túria, vendida pelo atual Secretário de Estado de Transportes do Governo Jatene Kleber Menezes à empresa norte-americana, da qual é o operador no Governo. A diferença de tratamento evidenciadas pelas exigências que o Coema impôs, por meio do voto de Adnan Demachki, à Odebrecht, frente à depravação como a Bunge se apropria do patrimônio público no Pará demonstra como as estruturas do Estado são azeitadas para a camarilha que está no poder subtraindo os direitos da sociedade.
E pior: afirma a Nota Técnica que inexiste risco de poluição com a colocação das boias, mesmo com um laudo do Instituto Evandro Chagas (isso mesmo, uma das maiores instituições científicas do mundo!) dizendo que as barcaças da Bunge Alimentos não só esterilizaram como tornaram nocivas para o meio-ambiente e a saúde humana as águas daquele rio após terem despejado por mais de 1 (um) ano chorume de soja podre diretamente no curso, o que foi flagrado por equipe de fiscalização da própria Semas.
E pior: mesmo estando a Bunge Alimentos violando o EIA/Rima, passou ainda a utilizar fraudulentamente uma recente Licença de Instalação da própria Semas que previa a colocação de boias para um local a 6 km (isso, 6 mil metros) de distância de onde está ocorrendo a degradação.
E pior: afirmando tal Nota Técnica que a Semas não tem atribuição para licenciar atividades no leito de rios, conforme prevê a Lei Complementar nº140/2011, apesar de a própria Capitania dos Portos ter condicionado que a autorização por ela dada só teria validade com a licença ambiental da autoridade competente (no caso, a Semas).
Ou seja, não tem sentido escrever artigo falando sobre a governança de “portos no Pará”, porque hoje com a incrível Nota Técnica qualquer um que queira levar e buscar produtos – inclusive bois vivos! - pelos rios do Pará não precisa licenciar portos: basta obter da Capitania uma autorização, que será concedida, porque a Marinha está pouco se importando com poluição, com contrapartidas ao Pará ou se alguma comunidade será vitimada. Após receber uma autorização da Capitania, basta colocar boias onde se bem entender. Após isso, pode-se poluir se quiser também; pode-se acabar com a vida de comunidades; violentar as meninas trocadas por comida com as tripulações, porque se repetirá o que a Bunge fez por mais de um ano no Furo do Arrozal, quando as barcaças arrancaram os açaizais e as redes de pesca, poluiu e escasseou peixe, camarão e açaí.
Três pessoas morreram contaminadas pelas barcaças da Bunge, mas o Governo do Pará pôde empurrar o caso para debaixo do tapete, diferente do caso dos bois em que buscou culpados para os desvios e incompetências da própria SEMAS. Quando as barcaças causarem mais mortes por contaminação e naufrágios, que serão os culpados da vez?
A Nota Técnica da Semas vai de encontro a toda pirotecnia punitiva que contabiliza mais de 1 bilhão de reais em multas contra as empresas envolvidas no naufrágio do Navio Haidar, onde pereceram 5 mil bois, porque quem não tem atribuição para licenciar, não pode multar. Ou seja, a Nota Técnica servirá de elemento de defesa para as acusadas e causará mais de 1 bilhão de reais de prejuízo ao Estado!
Um fio de esperança aos contribuintes e à sociedade paraenses é o fato de que essa Nota Técnica da SEMAS é pura falsidade ideológica do início ao fim, que será objeto de inquérito policial e Ação Civil Pública Ambiental através de oito associações de comunidades, pescadores, coletadores de açaí, barqueiros e agricultores do Furo do Arrozal e da Ilha Trambioca. Também se pode esperar que alguma autoridade honesta da própria SEMAS possa desaprová-la, ordenando que outra equipe reanalise o caso, punindo exemplarmente os seus autores?
Se isso não acontecer, para que eu não me senta tão idiota pelo artigo que escrevi, e diante desse crime organizado estabelecido na Semas, terei motivos para escrever os seguintes títulos: “O Pará e os Porcos I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, enfim...
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