sexta-feira, 29 de julho de 2016
Na praça, a mulher nua, a exclusão e o constrangimento
É assim, meus caros.
Na Belém de perdidas memórias, jogar pedra em mangueiras - de preferência naquelas mais frondosas, com galhadas ondulando ao vento nos quintais -, conversar em cadeiras dispostas nas calçadas à porta das casas, em fins de tarde, e esquivar-se das rapidíssimas, mas diárias, chuvas compõem cenas que ficaram no nosso imaginário. Seja no imaginário dos que viveram essas épocas, seja no imaginário eternizado em páginas ternas como as de Eneida, por exemplo.
Hoje, as cenas de Belém traduzem uma cidade acossada por violências sem fim e por vieses humanos que retratam de forma trágica o abismo e as carências sociais que se expõem em todo lugar, inclusive e principalmente em praças públicas, transformadas literalmente em latrinas a céu aberto, para uso reservado -mas nem tanto - de moradores de rua.
Leitora do Espaço Aberto narrou, pelo WhatsApp, cena constrangedora que ela enfrentou nesta quinta-feira (28). Um constrangimento agravado pelo fato de estar com o filho, uma criança de apenas 4 anos de idade, e de uma sobrinha de 14 anos, acompanhada de amiga, também adolescente, mineira de Belo Horizonte.
O carro em que se encontravam parou num sinal, atrás do prédio da Companhia Docas do Pará (CDP), na Praça Waldemar Henrique, mais ou menos aí, como aparece na imagem do Google Maps. Eis que o olhar, ou melhor, os quatro olhares - da leitora e de seus três acompanhantes - dirigiram-se para um mulher completamente nua, que fazia totô em plena praça, às 16h, sob o olhar entre complacente e indiferente de dezenas de pessoas, que caminhavam às proximidades e não esboçavam qualquer reação, como se aquilo fosse a coisa mais natural, mais banal, mais corriqueira do mundo. E será que não é mesmo, para quem transita habitualmente por ali?
A leitora diz não ter certeza se a mulher era mendiga; e se era, também não pôde saber se ela sofre de alguma doença mental. É bem provável que sim, porque a Praça Waldemar Henrique, juntamente com a Praça da República, está entre os logradouros centrais de Belém mais preferidos pelos moradores de rua.
A Universidade Federal do Pará (UFPA), em pesquisa do ano passado, apurou que existem mais de 500 moradores de rua na Região Metropolitana de Belém. Em 2014, outro levantamento apontara que 583 pessoas moravam nas ruas de Belém e Ananindeua. A maior parte dessa população tinha entre 18 e 29 anos. E mais de 80% das pessoas pesquisadas queriam deixar as ruas.
Mas por que não deixam as ruas, se querem deixá-las? Porque muitos não têm para onde ir, são dependentes químicos em poucas condições de desenvolver alguma atividade produtiva e já perderam qualquer referência familiar.
Caberia uma ação permanente de assistência social, mas o Poder Público, é claro, não pode chegar ao ponto de sustentar integralmente esse contingente todo. E não raro muitos dos que vão para abrigos retornam às ruas depois de pouco tempo.
Compreender esse drama social em toda a sua extensão talvez não seja suficiente, porém, para reduzir o impacto e o constrangimento naturais de quem - sobretudo se são crianças ou adolescentes - vê cenas como a da mulher nua, fazendo suas necessidades fisiológicas no meio de uma praça das mais movimentadas da cidade, à plena luz do dia, numa quinta-feira.
Porque as praças de Belém também já deixaram há muito de ser recantos de lazer e se transformaram em refúgios de excluídos.
Hoje o Pará apareceu em rede nacional pelos assaltos aos Correios no interior. Pará: terra sem lei.
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