Em Niterói (RJ), morreu na sexta-feira (22)
Michelle Ferreira. Ela passou meses
internada após ter sofrido espancamentos ao reagir a uma cantada.
Thaysa Vilas Boas, 22 anos, continua internada
em estado gravíssimo em Umuarama (PR). Grávida de sete meses, ela levou
um tiro na cabeça no dia 11 de julho. O bebê morreu três dias depois.
Em Saint-Etienne-du-Rouvray, na Normandia, o
padre Jacques Hamel, 84 anos, foi
degolado após dois homens armados com uma faca ao invadirem a paróquia
em que trabalhava, nesta terça-feira (26).
Em Bagdá, capital do Iraque, mas de 120 pessoas
morreram quando um caminhão-bomba
explodiu perto de um local de grande concentração.
Na região central do Rio, Cristiane de Souza
Andrade foi morta na frente da filha de sete anos com duas facadas no pescoço, após dizer
ao bandido que não tinha dinheiro.
Em Nice, mais de 80 pessoas foram atropeladas e
mortas por um caminhão, em atentado
ocorrido no dia 4 de julho.
Em Mosqueiro, distrito de Belém, o assessor
parlamentar Fábio Wellington Pereira Pires foi executado
durante assalto à sua casa de veraneio, na sexta-feira (22). Havia três
famílias na residência - cerca de 10 pessoas, entre adultos e crianças. Quando
estavam saindo, eles atiraram no dono da casa, que foi atingido na cabeça e
morreu na hora.
Abram a internet. Leiam aleatoriamente. E fartem-se
com atrocidades sem fim, com horrores que ceifam vidas individualmente ou
coletivamente, em atentados terroristas ou não.
Abram a internet. Leiam aleatoriamente. Descubram
ocorrências em Belém, no Brasil, na França, no mundo inteiro. Todo dia, o dia
todo.
É isto um homem? - você deve se perguntar.
Quem faz isso é humano?
Leio tudo isso. Aleatoriamente.
Lembro-me de Primo Levi (ao lado),
o escritor italiano que logrou escapar com vida do campo de concentração de Auschwitz,
na Polônia.
Ele escreveu obras fantásticas - ora depoimentos,
ora ensaios sobre os horrores da guerra.
Uma de suas obras, talvez a mais pungente,
pulsante, densa, inquietante e trágica tem, justamente, o título de "É
isto um homem?".
Levi narra atrocidades inacreditáveis que ele
viveu, que ele viu, sentiu e testemunhou quando era um häftlinge em Auschwitz.
Primo Levi expõe a degradação do ser humano.
Revela os limites - não se sabe se mais baixos
ou mais altos - a que pode chegar a bestialidade humana.
O livro é curto. O que o repórter leu está aí na
imagem.
Quando cheguei à metade, comecei a perguntar-me:
homens são capazes de fazer isso?
"Os personagens destas páginas",
responde Primo Levi, "não são homens. A sua humanidade ficou sufocada. Ou
eles mesmos a sufocaram, sob a ofensa padecida ou infligida a outros. Os SS
maus e brutos, os Kapos (feitores,
comandantes dos campos), os políticos, os criminosos, o 'proeminentes' grande e
pequenos, até os Häftlinge indiscriminados
e escravos, todos os degraus da hierarquia insensata determinada pelos alemães
estão, paradoxalmente, juntos numa única íntima desolação."
Isso foi durante a II Guerra.
Voltemos ao agora.
Voltemos a Niterói, ao centro do Rio, a Bagdá, a
Mosqueiro, a Belém, às francesas Saint-Etienne-du-Rouvray e Nice.
Voltemos a essas barbáries cotidianas.
Os personagens destas histórias com que nos
deparamos todo dia, o dia todo parecem ter perdido a condição de humanos. Nossa
humanidade parece estar cada vez mais sufocada. Assassinos cruéis nos
coisificam. É possível que nós próprios nos vejamos como meros objetos da
crueldade, como os häftlinge pareciam
sentir-se diante dos kapos que os
castigavam e os deixavam morrer em meio a vômitos, a fezes e ao desprezo, todos
desfigurados, descarnados, escalpelados em sua honra.
É isto um homem? - perguntava Primo Levi
naqueles anos 1940.
É isto um homem? perguntamos ainda agora, quase
80 anos depois.
Infelizmente é a banalização da vida.
ResponderExcluirE com um triste agravante: depois de sofrer, ser vítima, ler, saber, passamos a achar natural, ficamos "acostumados" com tanta estupidez e barbárie.