terça-feira, 26 de abril de 2016

Para onde vai a nossa jovem democracia?

STAËL SENA

"Ao poder, a primeira coisa que se diz é 'não'. Não por ser um 'não', mas porque o poder tem de ser permanentemente vigiado. O poder tem sempre tendência para abusar, para exorbitar".
José Saramago, Prêmio Nobel

A presente conjuntura política brasileira conduz a reconhecer que o Supremo Tribunal Federal é a última trincheira, no plano interno, para respeitar a integridade do Estado Democrático de Direito. O Supremo Tribunal Federal tem a obrigação de marchar para garantir o amplo, geral e irrestrito atendimento à nossa Carta Mãe. Em nome da soberania do povo, a Constituição de 5 de outubro de 1988 precisa ser resguardada. Portanto, a função de tutelá-la, além de luta coletiva perene de todos, é  dever primordial da Suprema Corte, inclusive perante àqueles que juraram cumpri-la e agora - por razões (in)confessáveis e sem disfarce - a descumprem de maneira flagrante perante o testemunho espantado da comunidade democrática e da imprensa internacional.
Essa constatação é angustiante na atualidade brasileira. A propósito, no vindouro outubro deste ano, nossa Carta Mater completará 28 anos de vigência. E nunca será cedo demais prevenir o quanto os brasileiros devem ser gratos por ela estar de alguma forma transformando a vida das pessoas, propiciando oportunidades antes inexistentes para a maioria da população no que se relaciona aos direitos sociais e outros individuais, coletivos e difusos.
A independência harmônica que deve presidir as relações entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, implica que, sem exceção,  todos têm a obrigação de respeitar a Constituição de 1988 e leis infra legais. Assim, sob os olhos da função típica do Poder Judiciário, a independência e a harmonia não podem se traduzir jamais na submissão de um poder perante o outro, tendo em mira a coerência e a isenção que devem presidir especialmente os atos deste poder.
Todos sabem, que os parlamentares, os governadores, os prefeitos e os magistrados, em geral, ao assumirem seus cargos, juram cumprir e fazer cumprir à Constituição...
Por conseguinte, o STF tem a dívida permanente de assegurar a integridade da ordem jurídica e democrática na iminência de sua violação ou de sua efetiva transgressão, em nome do povo, ponto de partida e de chegada do Estado Democrático de Direito. Disso, a Suprema Corte não pode prescindir em tempo nenhum sob pena de possibilitar o abortamento dos direitos estabelecidos e abonar com sua inação a ação ilimitada e arbitrária do Poder Legislativo ou  parcela deste sobre os demais. Em tal contexto, no Estado Democrático de Direito, a única hegemonia aceitável é a da Constituição, não se podendo abrir a porta para se permitir a hegemonia do Poder Legislativo ou de parte dele sobre os demais poderes. Nisto, aliás, reside a qualidade e a legitimidade do Poder Judiciário para assegurar a todos o valor e a eficácia normativa e social da Constituição. 
Como conseqüência,  todos os atos do Poder Legislativo, típicos ou não, têm que respeitar os preceitos constitucionais, abrangendo também os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. O Brasil não pode ser usado como "Cosa Nostra" por aqueles que exercem o poder.
Cármem Lúcia Antunes Rocha, atual ministra do STF, na XVIII Conferência Nacional dos Advogados, em Salvador, 2002, fez três afirmações dignas de menção para o contexto político que vivemos hoje, quando abordou a relação entre a vontade do povo e a vontade do Estado. A primeira assertiva, "A soberania popular, expressa no art.14 da Constituição da República, é que qualifica a democracia brasileira, sendo, pois, a soberania  do povo a que conta e repassa-se ao Estado, legitimando o seu comportamento...". A segunda afirmativa, "O que se aspira, mais que tudo, é que a soberania garanta a efetividade da vontade do povo. E que esta seja apurada segundo  condições não apenas formalmente, mas também materialmente livres." E a terceira declaração, por fim, "Há que se ter muito cuidado com a apuração da vontade do povo e é preciso pensar em fórmulas jurídicas, inclusive jurídico-constitucionais, para que chegue ao momento de exame e qualificações do que seja, realmente, a vontade do povo, por um motivo simples: há uma mídia que é dominante e predominante e que, a cada momento, pode manipular o povo no seu querer ou fazer com que pareça que ele quer aquilo que nem sempre é a verdade, que muitas vezes conduz a raciocínios extremamente perversos, que não dá espaço para que se possa não apenas criticar, mas sequer participar deste processo informativo".
Com toda a evidência, ao estudar o contexto histórico e político atual, é muito provável que as gerações futuras lembrem o dia 17 de abril de 2016 como o Dia da Vergonha Nacional, quando os valores fundamentais da Constituição deixaram se ser prioridade. Neste dia - todos assistiram ao vivo e em cores - os deputados federais deliberarem, sem qualquer rigor jurídico e de modo sofrível, sobre a admissibilidade do pedido de impeachment proposto contra a presidente da República.  
Disso tudo deriva perguntar: para onde vai a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, alicerce do presente e do futuro de nossa jovem democracia? Para finalizar, há que se atentar ainda que os agentes públicos não podem agir ou decidir por interesses divorciados dos preceitos constitucionais, por interesses individuais ou político-partidários, sob pena de sobrepujar a Carta Magna e a soberania popular. Em suma, talvez estejamos assistindo ainda a gravidez, o parto e a crucificação da Constituição e da Democracia Política.

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STAËL SENA, advogado pós-graduado em Direito (UFPA)

6 comentários:

  1. A CF é ruim. Ponto. Mas democracia não é a CF. E vice-versa. Assim como a ditadura. O problema é outro. A corrupção que está entranhada no povo brasileiro. Com ditadura ou democracia.

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  2. O problema é que os deputados federais não estão nem aí para a Constituição e as leis que vigem no Brasil. A prova ficou muito clara no dia 17 de abril. Acho que,infelizmente,o que move suas excelências é outra coisa... Vai acontecer a mesma coisa no senado. O Eduardo Cunha privatizou a República e todos os Poderes constituídos. Todos têm medo dele, temem desagradá-lo, não por méritos, mas por deméritos não sabidos pela opinião pública. Tá todo mundo de rabo preso. Dilma tá lascada...

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  3. Vem aí o plebiscito sobre as eleições.

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  4. O PT já levou farelo.
    Tchau queridos.

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  5. Ilusão, entre a Constituição e outros interesses não republicanos, sempre predominaram estes. Assim, Cunha e o PMDM continuarão dando as cartas na democracia tupiniquim e corrupta. Tá tudo dominado. Não se iluda, caro articulista, pois todo mundo é corrupto, por ação e omissão, os políticos e o povo...Se eu fosse a presidente, eu caia fora, o Brasil é propriedade privada, ela não entendeu isso...

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  6. Anônimo4/5/16 08:30

    Ela entendeu que é propriedade privada, sim. Tanto que permitiu a corrupção deslavada, na cara dura, na Petrobrás..... ou será que foi apenas incomPTência pura???
    Pra mim ela vai tentar exilar-se em algum País onde o Brasil financiou alguma obra vultosa, com bilhões de reais..... esperem....

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