sexta-feira, 11 de março de 2016

A Hannah Arendt do Ver-o-Peso


ISMAEL MORAES - Advogado

Domingo passado, ao fazer compras no mercado do Ver-o-Peso pela manhã, perguntei a uma vendedora, senhora sexagenária, o que ela achara da ordem de condução coercitiva de Lula. A observação lúcida contida na resposta deixou-me atônito.
Em 1960, a filósofa judia-alemã Hannah Arendt (na foto) fez a cobertura jornalística para a revista The New Yorker do julgamento de Adolf Eichman, comandante de um campo de extermínio nazista, sequestrado pelo Mossad em Buenos Aires e levado a Israel. Ao reportar os fatos, concluiu ter visto não um terrível criminoso anti-semita, mas tão-só um disciplinado burocrata frio. Observou que o Estado nazista reduzira a perversidade da indústria homicida a uma categoria institucional de modo a banalizar a maldade. Isso, que lhe rendeu muitos desafetos na intelectualidade e no próprio Estado judeu, veio se confirmando na historiografia.
Voltando à comerciante da feira, elaassim respondeu:
- Foi um erro desse juiz (Sergio Moro), porque o Lula já estava preso, ele não podia sair na rua porque era chamado de ladrão por qualquer pessoa. Ele não podia sair de casa. Agora ele está solto, está livre, porque virou vítima de novo!
Considero que a sutileza contida nessa resposta tem uma dimensão filosófica digna de Hannah Arendt. Apesar de confundir o ato judicial como se fora punição, quando é medida de investigação, mesmo assim correspondeu à compreensão geral de que castigar era o efeito utilitário buscado pelo juiz, o que destoou da sensação de martirização que fora efetivamente produzida.

Não havia lido de ninguém o que ouvi dessa senhora sobre esse significativo evento da crônica política nacional. O que prova que é como disse Guimarães Rosa: no sertão encontramos de Goethe a Cervantes.

2 comentários:

  1. A cidadã só errou num pequeno detalhe. Ele não estava e não foi preso. E agora não foi o mpf que pediu a prisão e não será Moro a decidir. Mas ele já é vítima. De si mesmo.

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  2. Quando representantes de Instituições responsáveis por zelar pelo Estado Democrático de Direito perdem credibilidade, o povo procura alguém no meio desses e à altura de representa-lo. Quando o povo encontra, ou acredita que encontrou, então o escolhido passa a representar tudo que possa demonstrar que a Justiça ainda respira e responde aos clamores do povo.

    Estaria explicado porque tantos se equivocam e se referem ao "Moro" como responsável até pela denúncia e pedido de prisão feita pelo MP paulista contra o Lula?

    Se isso explica, não tem como discordar da opinião dessa Senhora e lhe dar um fraterno abraço!

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