terça-feira, 12 de janeiro de 2016

400 anos: Os presentes para Belém



Belém, na sua essência maior, tem o seu lado poético, que se revela na chuva que lava as ruas e a alma. Só quem já saboreou uma manga madura caída do pé tomando banho de chuva numa tarde de Belém pode sentir a verdadeira magia da cidade.
Falar mal de Belém não é a melhor maneira de se comemorar seus 400 anos. São tantas as demandas da cidade que, se cada gestor, nos últimos 100 anos pós-Antônio Lemos - talvez o único estadista que governou a cidade - tivesse pelo menos realizado uma única obra relevante em seu mandato, Belém hoje seria uma das metrópoles mais modernas e bonitas do país.
Na área do saneamento , por exemplo, existem demandas reprimidas como a da Bacia do Tucunduba, que estão provocando alagamentos e sofrimentos a mais de 200 mil de pessoas que residem na sua área de confluência. São outros tantos que sofrem nas áreas da Estrada Nova, do Barreiro e do Tapanã, por falta de saneamento básico e de água encanada. As obras não conseguem andar, apesar do otimismo e das promessas de todos os candidatos a prefeito nos últimos 50 anos, em suas campanhas e visitas antes da eleição...
Os transtornos diários no trânsito da cidade provocados pelo estrangulamento de seus principais corredores de tráfego são cada vez mais estressantes e onerosos. Os custos não só econômicos, mas também sociais e na saúde, por deteriorar cada vez mais a qualidade de vida da população. Planos, planilhas e projetos se acumulam nas estantes e gavetas da Codem e da Semob. Na década de 80, os consultores da Jica , ao concluírem um dos muitos Planos Diretores de Tráfego Urbano (PDTU) encomendados e abandonados por vários prefeitos, já alertavam, com base em premissas técnicas, que Belém poderia "travar " por volta do ano (então longínquo) de 2010, caso não fossem adotadas as medidas, obras e serviços listados em seu bem elaborado Plano. Só para lembrar: entre as obras planejadas constavam anéis viários no Entroncamento e em São Brás, elevados nos principais cruzamentos da Almirante Barroso( Humaitá e Lomas),além de Terminais de Integração em São Brás e na atual Praça "Waldemar Henrique". Também recomendavam a adoção do metrô de superfície então já existente em várias cidades com mais de 1 milhão de habitantes.
Quantos gestores tivemos desde então? Seis ou sete? Nenhum deles procurou dar continuidade ao Plano da Jica, preferindo marcar sua "passagem" com alguma obra que pudesse chamar de sua. Um deles chegou a se comparar ao grande "Antônio Lemos", que deve ter-se retorcido todo em sua tumba, tal a lambança herética do Dudu...
Sinais de três e quatro tempos, medidas improvisadas e obras cosméticas realizadas nos últimos 30 anos, por falta de continuidade e de planejamento, não foram suficientes para acompanhar o ritmo de crescimento desordenado do sistema de tráfego da cidade. Em Belém circulam hoje cerca de 500 mil veículos e a cada mês mais de três mil veículos são liberados para rodar praticamente pelas mesmas e já congestionadas ruas. As vias de uma cidade são como as veias do corpo humano: quando entopem provocam o colapso do organismo. Todos sabem, menos as "autoridades competentes", que a solução para os graves problemas de mobilidade urbana de Belém não virá com o sistema BRT, cuja execução atabalhoada só tem contribuído para ampliar os problemas enfrentados diariamente pela população. Além disso, já foram consumidos mais de R$-200 milhões e a obra continua emperrada, atrapalhando o tráfego ao invés de desafogá-lo. A solução natural e menos onerosa seria a criação de linhas fluviais urbanas interligando Belém a Mosqueiro/Icoaraci/Outeiro/Combu e ilhas, utilizando-se o enorme potencial das abundantes águas que rodeiam a cidade como vias naturais. Mas isso, os "coronéis do atraso" não permitem. Há dois meses foi aberta uma licitação para a primeira linha fluvial Icoaraci/Belém. Mas ninguém mais teve notícias sobre o seu "fechamento". Sabe-se apenas que os donos de ônibus não gostaram da ideia e fizeram chegar seu descontentamento a quem de direito. Então, a Semob informou apenas que a licitação foi considerada "deserta", por falta de interessados...
Por que, então, não se faz outra licitação, agora com abrangência nacional e até internacional?
Pregamos no deserto pela solução fluvial urbana há mais de 20 anos. Pelo visto, os donatários da cidade continuam fazendo ouvidos moucos e dando as costas para o futuro de Belém.
Em Santarém já operam modernas lanchas tipo catamarã (foto) desafogando o tráfego na cidade e proporcionando uma viagem agradável e desestressante. Enquanto isso, em Belém, as ruas não cabem mais carros, os passageiros andam cada vez mais estressados e não se vislumbra outra solução de mobilidade urbana que não seja o ultrapassado BRT, cujas obras intermináveis só tem contribuído para aumentar mais ainda o congestionamento dos principais corredores de tráfego já saturados.
São muitas também outras demandas que a cidade reclama, como a correção das calçadas irregulares e precárias, obrigando os pedestres a caminhar pelo meio fio e até na pista, expondo-se a sérios riscos de ser atropelados.

Mas vamos celebrar Belém falando das coisas boas da cidade que todos amamos e desejando como presente que ela em breve possa ter também um novo prefeito-estadista. No fundo, todos gostaríamos de ter, pelo menos, 400 motivos para festejar os 400 anos de nossa cidade. Cidade que, apesar dos descasos na sua gestão e de maus tratos promovidos por alguns filhos insensatos, continua linda e singular na variedade de seus encantos e na magia de seus sons, cheiros, sabores e cores.

Um comentário:

  1. Tem uma novela passando por aí onde as pessoas reencarnam ou coisa parecida. Tomara que tenhamos a sorte do Antonio Lemos também reencarnar por aqui.

    Kenneth

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