terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Disposição e ordem da crise política


Nossos sentidos já interpretam há muito tempo que o exercício cultural dessa tragédia em que o País está submerso é a crise da política brasileira, entendida como crise do lulopetismo, dependente de configurações estruturais. A crise política não se circunscreve à crise-da-política, na qual os componentes personalista (lulo) e partidário (petista) se manifestam; precisa ser interpretada a partir de suas condições internas e das trajetórias históricas que a determinam. Os sentidos estruturais da crise política são ao mesmo tempo a crítica e a reinvenção da esquerda. Não resta nenhuma dúvida que a batalha da esquerda no ciclo do petismo está perdida - há tempos, dirão a maioria. Agora, quanto ao impeachment, desde que sejam provadas as irregularidades e depois aprovado pelo Congresso faz parte da democracia, pois justifica o fim do governo.
A agremiação petista como instrumento de inconformismo e avanços sociais tornou-se irrelevante ou, pior, contraproducente. As políticas efetivamente radicais, no sentido de uma transição para o socialismo, eram pouco possíveis em 2003 e nos anos que se seguiram, mas, independentemente dos compromissos feitos na campanha eleitoral, o PT teve o poder de contribuir para a eventual possibilidade histórica futura e dela abdicou. No contexto de crise, as revoltas sociais ocorrem - e devem espalhar-se - e, nesse sentido, é preciso reinventar a conexão entre luta social e política de esquerda.
Vivemos, hoje, uma crise econômica aguda. E o segundo mandato da presidente Dilma está apenas começando. Este não é, definitivamente, o momento para os políticos e os cidadãos dotados de espírito público aprofundarem suas divisões políticas, mas para diminuí-las. A crise capitalista agora se revela no aparato de regulação econômica ao qual o PT aderiu. As convulsões de 2013 reforçaram a tese de um suposto esgotamento do petismo, agora incapaz de atenuar os antagonismos de classe. A tese sustenta-se em evidências robustas, mas não suficientes para explicar a falência do petismo. As jornadas de junho, bem como o esgotamento que elas marcam, devem ser vistos nos contextos de revoltas mundiais desde 2011 e que seguem desde 2008.
Há um descompasso entre república e democracia. Se a democracia envolve uma demanda inclusiva fundamental de tipo formal, a república diz respeito a algo mais complexo e difícil de conquistar, a mudança na percepção das relações entre Estado e sociedade tanto pelos agentes do Estado quanto pelos atores sociais. Apesar de haver no caldo social da Constituição de 1988 a dupla demanda por democratização e republicanização, os primeiros governos deixaram de lado as duas demandas. Estavam centrados em basicamente um esforço: reduzir a inflação do País.
Nos contornos do pós-lulismo, há que se reconhecer a hegemonia precária. Após 12 anos de governos petistas, qualquer análise das estruturas da atual crise política deverá, em primeiro lugar, enfrentar ambiguidades inerentes a um projeto reformista - fraco -, liderado por uma burocracia sindical em tempos de hegemonia da globalização financeira. Num país mundialmente conhecido por suas desigualdades abissais, esse pequeno avanço foi suficientemente forte para sedimentar o consentimento dos subalternos à regulação lulista, garantindo ao PT a reeleição de Lula da Silva, além da eleição e reeleição da presidente Dilma.
O aprofundamento da crise econômica e a guinada política neoliberal do segundo governo Dilma marcam a transição do modelo de desenvolvimento brasileiro. A contração cíclica impulsionada pelos cortes dos gastos federais elevou o desemprego atingindo em cheio tanto o precariado urbano quanto o proletariado organizado sindicalmente. Na verdade, entramos em uma nova era de luta de classes na qual o centro da vida social deslocou-se para os extremos do espectro político. Ah! Por trás deste caos aparente há uma ordem impecável...

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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