terça-feira, 13 de outubro de 2015

Crime num bairro chinês, em Havana


"Um chinês caiu num poço, as tripas viraram água...".
(Canção infantil cubana)

A China e os chineses são um permanente exercício de decifração, você tem de ir além do que ver e do que fazer - tem de entender como ver e como fazer. É necessário ser introduzido nos códigos de um povo teimosamente monoglota e de uma civilização milenar cujos hábitos, no entanto, vêm se transformando de maneira vertiginosa e inesperada. Não se enganem com aquele jeitinho caipira e silencioso do chinês de gibi. O detetive Mario Conde imaginara um chinês como aquilo que deveria ser: um sujeito de olhos puxados, com a pele resistente às adversidades, de enganosa cor hepática, que fuma com olhos fechados em um longo cachimbo de bambu. Foi uma longa história de convivência no Bairro Chinês, das dezenas de milhares de chineses que, chegados à ilha ao longo de um século de constantes migrações, certa vez deram vida, cor e forma àquele recanto havanês...
Esse afã por definir a essência do chinês o havia tomado naquela tarde de 1989, quando, depois de muitos anos sem pisar no território inóspito do Bairro Chinês, Conde voltara a visitar aquela velha e decadente região de Havana, convocado - de suas merecidas férias -, pelos ossos de seu ofício: haviam assassinado um homem, e o "presunto" agora era, precisamente, um chinês. Não tinha sido executado da maneira simples e vulgar com que se costumava matar na cidade. Fazendo jus à origem étnica do defunto, era um assassinato estranho, muito oriental e rebuscado para um país em que viver era (e continuaria a ser por muito tempo) mais complicado do que morrer.
Tratava-se de um crime que poderíamos quase chamar de exótico, temperado por ingredientes de difícil conexão. Conde fora chamado para desvendar esse caso, por uma sedutora colega de trabalho. Era mais um misterioso crime: quem teria enforcado um velho chinês em sua própria casa no Bairro Chinês, em Havana? A cena do Assassinato era repleta de detalhes bizarros: o dedo indicador de sua mão esquerda fora cortado e, em seu peito, alguém talhara um estranho circulo contendo duas flechas em forma de cruz. E mais um detalhe perturbador: seu cachorro também fora assassinado.
O pensamento inicial era de que se tratava de um crime da máfia chinesa. Com a ajuda de um sargento e de um amigo, Conde se desafia pelas vielas do bairro em busca da identidade do assassino. Havia certo medo, havia muito mais segredos do que os que cercavam o cadáver encontrado com pistas misteriosas. Por isso, queria alertar e voltar a conversar com seus amigos sobre essa premonição e lembrar que existem portas em que é melhor não tocar e, com certeza, não tornar a abrir nunca mais.
No decorrer das investigações, percebe-se que Conde fora um policial da pesada e era muito respeitado no meio. Envolveu-se com mulheres irresistíveis, suas investidas eram sempre abastecidas por muitas doses de álcool. Os amigos que o ajudavam o apresentaram a antigos rituais e santos chineses de San Fan Com e Sarabanda na tentativa de explicar o significado do símbolo no peito do morto, logo o detetive se vê compelido a conhecer mais sobre os rituais africanos de palo monte, nganga... Teria tudo isso ligação com o crime? Ou seria apenas algo para despistar a polícia? Conde vai fundo e acaba descobrindo conexões e relacionamentos inesperados, negócios secretos, atividades ilegais, além de uma história de honra e desgraça que lhe faz finalmente entender a realidade de muitas famílias imigrantes asiáticas.
Com seu personagem alfineta e revela a realidade de seu país, retrata a decepção e a frustração de sua geração com a revolução cubana. Esse texto é baseado na leitura de um folego só do livro "O rabo da serpente", editora Saraiva, 1ª edição, 2015, do jornalista e escritor cubano Leonardo Padura, é o sétimo romance de sua série de livros policiais. Padura é um dos mais conhecidos escritores cubanos da atualidade.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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