quarta-feira, 17 de junho de 2015

A Assembleia de Deus na Belle Époque



No próximo sábado, dia 20, a  Assembleia de Deus dará um presente para Belém. A partir das oito da manhã, a Escadinha do Cais do Porto será transformada num grande teatro a céu aberto. Milhares de pessoas vestidas em trajes dos tempos da Belle Époque encenarão o desembarque dos missionários suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren. Será uma grande oportunidade de voltarmos cento e quatro anos de história e espiarmos como era a vida de Belém há um século.
Hoje, vamos conversar sobre a inserção da Assembleia de Deus no período conhecido como Belle Époque belenense. Afinal de contas, como era o contexto social em 1911, ano de fundação dessa igreja? Como era a economia e o governo? Por que Belém deixou os missionários deslumbrados, se eles estavam acostumados com cidades grandes, como Chicago e Nova Iorque?
No ano do desembarque, Belém vivia o apogeu em declínio do ciclo da borracha. O “ouro branco”, como era chamado, havia feito do látex a nossa principal fonte de riquezas. Não havia estradas ligando o Norte ao Sul. O porto de Belém era movimentadíssimo. Bandeiras de todos os países do mundo eram refletidas em nossas águas. Embarcações de maior calado não podiam atracar no moderno porto da “Company of Port Pará”, inaugurado em 1910. O “Clement” (na foto), que trouxe os missionários era um deles. Ficou afundeado próximo à ilha de Cotijuba, enquanto sua tripulação era trazida à Escadinha em alguns botes. Foi assim que os fundadores da Assembleia de Deus pisaram no solo brasileiro no dia 19 de novembro.
Em terra, os missionários ficaram encantados. A Boulevard Castilhos França era larga, com canteiros centrais floridos e estações para um moderno bondinho. Subindo a antiga 15 de Agosto, hoje Presidente Vargas, os missionários pararam num restaurante, comeram feijoada e beberam café. Depois, caminhando com as malas, chegaram à Praça da República. O deslumbramento aumentou. Entraram no Theatro da Paz. Apreciaram os monumentos de mármore que até hoje estão naquele logradouro.
Belém era uma cidade de traços europeus. Ruas, praças e casarões foram idealizados para esse fim. Prédios como o do Mercado de São Brás, Paris n’América e do Instituto Lauro Sodré são testemunhas oculares daquele apogeu. Belém foi a primeira cidade do Brasil a ter um sistema de bondes elétricos. Aqui, começou a ser construída uma bolsa de valores na Praça do Relógio. A cidade respirava fartura. Ricos mandavam lavar suas roupas em Coimbra. Companhias teatrais do mundo se apresentavam no antigo teatro Nossa Senhora Rainha da Paz.
A cidade estava cheia de estrangeiros, o que se refletirá na formação da Assembleia de Deus. Grande parte dos seus primeiros dezenove crentes falava outros idiomas antes de Celina Albuquerque ter recebido o dom sobrenatural de falar outras línguas. Espanhóis e portugueses dominavam. A Assembleia de Deus foi formada por esses povos, além de colombianos, austro-húngaros e suecos. Tudo reflexo da Belém da Belle Époque. Foi por isso que os missionários logo encontraram tradutor. Justus Nelson, o pastor metodista que primeiro recebeu os missionários, era uma pessoa muito culta e atuante em Belém, onde publicava seus jornais. A cidade era cheia de livrarias e cafés. Respiram-se aqui as essências de Paris.
Mas, com o mercado da borracha tendo se deslocado para a Malásia, com ele foi o nosso progresso. O período áureo do governador Antônio Lemos arrefeceu. A cidade desandou. O porto foi congelando. Em contrapartida, o fenômeno do movimento populacional se fez sentir. Brasileiros começaram a retornar às suas terras. Estrangeiros despediram-se. Foi assim que a Assembleia de Deus enviou seus primeiros missionários: José Plácido da Costa e José de Matos Caravela são os pioneiros pentecostais em terras portuguesas, respectivamente em 1913 e 1921.
Foi esse movimento social que espalhou as sementes de fogo da Assembleia de Deus. Em todo canto, um egresso de Belém. Em todo canto, uma família recebia o impacto do movimento de evangelização que começara aqui no dia 18 de junho de 1911. E as sementes divisaram fronteiras transculturais, fazendo dessa denominação a maior igreja evangélica do mundo. Vejamos quanto Deus sabe andar na contramão da história. Se o áureo período da Belle Époque estava em declínio, algo novo estava começando aqui. Uma nova época para o Brasil. Uma bela época, cujo glamour espiritual jamais feneceria. Belém deixou o lugar de capital nacional da borracha para se transformar definitivamente na capital nacional da Assembleia de Deus.

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RUI RAIOL é escritor
www.ruiraiol.com.br

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