segunda-feira, 25 de maio de 2015

O dividido Reino Unido


No Reino Unido, na iminência das eleições legislativas, estava em xeque a mais antiga tradição dos governos estáveis. A outrora estável monarquia constitucional e parlamentar britânica parecia ir mal. A crise, não somente política, ficou transparente diante de espinhosos temas e divisões na sociedade, a raiar durante a campanha para as legislativas que se realizaram em 7 de maio de 2015. Mais interessante ainda é que as eleições no Reino dividido costumam ser tão emocionantes quanto a troca da guarda da Rainha. Mas desta vez a monotonia deu lugar a um dos pleitos mais agitados dos últimos anos.
De acordo com o Instituto de Pesquisas YouGov, o atual premiê David Cameron (na foto), do Partido Conservador, tinha a preferência de 34% dos eleitores, enquanto seu maior adversário, Ed Miliband, do Partido Trabalhista, emparelha com 33%. Diante de margens tão apertadas, os dois se utilizaram da mesma estratégia: aumentaram o corpo a corpo com o eleitorado e, ao contrário do que sempre recomenda a velha fleuma britânica, partiram para o ataque. Cameron, no poder desde 2010, dizia que os trabalhadores vão aumentar impostos e engessar a economia. Para Miliband, o corte de gastos do governo já foi longe demais ao empurrar milhares de britânicos para a pobreza.
De saída, as pesquisas de intenção de voto não previam um partido com maioria absoluta, ou 326 cadeiras na Câmara dos Comuns. Trocando em miúdos, seria o fim do bipartidarismo entre conservadores e trabalhistas. Se nos anos 1950, as duas legendas recolhiam soviéticos resultados de até 97% dos votos, desta feita levariam, juntas, apenas 67%. Além de Cameron e Miliband, outros cinco candidatos disputaram as eleições, mas sem chances de assumir o governo. Conservadores e trabalhistas alternam o poder desde 1922.
A diferença é que, agora, novas correntes vêm fazendo algum barulho. A principal delas é liderada pela escocesa Nicola Sturgeon do esquerdista Partido Nacionalista Escocês (SNP, em inglês). Nicola é considerada a mulher mais temida do Reino Unido. É também chamada de “mulher mais perigosa” pelo “Daily Mail”. Nicola liderou a campanha, em 2014, pela separação da Escócia do Reino Unido. Não foi bem sucedida por um triz no plebiscito que discutiu a questão. E ela não escondia sua intenção de criar elos com Miliband.
Outros percalços têm impacto no próprio reinado de Elizabeth II, a ameaça dos outros grupos separatistas além do escocês, e aqueles da Irlanda do Norte e do Principado de Gales. A emergência daquelas siglas demonstra um quadro jamais visto no sistema bipartidário. Qual o motivo? O Reino Unido não é mais aquele país onde a distinção nítida entre as classes sociais se manteve até ontem. Fronteiras claras entre aristocracia, classes média e operária. Se ainda há quem sinta nostalgia do passado, como aquele que se manifesta contra a imigração, outros estão fartos de fazer parte de um sistema em que predomina a desigualdade.
A ascensão social, de fato, começa nas escolas primárias privadas, caríssimas. Ali aprende-se a falar o inglês dos aristocratas. A desigualdade talvez explique Cameron não ter explorado, durante a campanha, o fato de ter governado um dos países com a economia menos fragilizada pela crise de 2008 na Europa. A nítida separação entre classes sociais, típica do Reino, começa ficar abalada.
O vitorioso governo conservador de Cameron relançou o crescimento, reduziu o déficit público, manteve o nível de desemprego em patamares aceitáveis, enquanto a Bolsa de valores vai de vento em popa. No entanto, as elites econômicas ainda levaram a maior fatia do bolo e o cidadão comum não ganhou melhor nível de vida. Mas quem mora ou conhece bem o Reino Unido, sabe que existe uma diferença evidente em termos de riqueza entre Londres e o resto do país, chamado de Pequena Inglaterra. Ah! Poucos foram às urnas. Ademais, para muitos britânicos, política não é assunto que mereça tanta atenção.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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