terça-feira, 17 de março de 2015

O Brasil mudou, companheiros!


Por ANA DINIZ, jornalista, em seu blog Na rede

Metade da população brasileira faz parte da classe média (renda individual mensal de 320 a 1.120 reais). Esta informação é do Data Popular e foi divulgada pela revista “Exame” em meados do ano passado. A Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE apresenta resultado semelhante: metade das famílias brasileiras tem renda entre 2 e 10 salários mínimos por mês.
Acostumados à fácil dicotomia ricos x pobres, muitos não conseguem vê-la. Alguns intelectuais chegam a desprezá-la (uma vez, Marilena Chauí desmereceu sua biografia ao chamar essa categoria de medíocre). Essa classe média é tanto urbana como rural. Ela inclui o pequeno empresário agrícola, o caminhoneiro autônomo, a esmagadora maioria de profissionais liberais, o micro e o pequeno empresários, os assalariados com nível médio ou superior e uma quantidade enorme de trabalhadores autônomos.
Ela não gosta de confusão. Trabalha duro, não entende nem gosta de se meter em política e paga tudo de que se serve: hospital, escola, serviços profissionais, empregados, alimentos, lazer, água, energia, estacionamento, casa e todas as compras, além das tarifas de bancos e cartão de crédito. E paga impostos, muitos impostos. Para ela não há isenção de IPTU, nem de imposto de renda, nem facilidades outras. Ela está acostumada a pagar e a cobrar.
E ela é emergente: foi só depois da estabilização da moeda que ela conseguiu se firmar e fazer o que todo cidadão de classe média, no mundo todo, faz: planos de médio e longo prazos, impossíveis quando a inflação anda alta. A partir do real ela se consolidou, cresceu, e agora abrange 54% da população.
Foi essa nova classe média que foi para as ruas, ontem. Os manifestantes se reconheciam, pela primeira vez na história do Brasil, como classe: havia alegria entre eles. Sua reivindicação central, me parece, foi recuperar a dignidade de ser brasileiro. Por isso, o ponto de união foi o Hino Nacional, o verde-amarelo, a bandeira.  A dignidade é importante para a classe média: seus integrantes se sacrificam para ter uma aparência limpa e bonita, para manter as contas em dia, para não se envolver com polícia, para resgatar as dívidas e para não receber esmolas.
A classe média se sente lesada, assustada e envergonhada. Ela concordou com as políticas sociais, mesmo sabendo que financiava boa parte delas; ela concordou com as políticas de quotas, concordou com as bolsas variadas e diversas. Mas, volto a dizer: ela também está acostumada a cobrar. E, se paga alguma coisa para uma certa finalidade, é para essa finalidade que o dinheiro tem que ir. Então, pagar para que o dinheiro flua para outros destinos não é com ela: a corrupção lhe dói no bolso como se fosse um assalto direto.
Ela também está assustada com a possibilidade de descontrole inflacionário. Ela sabe – todos sabemos – que aumentar insumos, como energia, combustível e salários, forçosamente refletirá nos custos inflacionários. Que o aumento do dólar não significa apenas custos mais altos em viagens, mas, e sobretudo, num país que importa ou paga royalties por quase tudo o que usa para mover suas máquinas, custos de produção mais altos, que refletirão no custo de vida. A classe média é medianamente instruída e informada. Ela sabe o que move a economia.
E se sente envergonhada pela escala de corrupção, institucionalizada (como disse um dos delatores do petróleo), que se instalou no país. Os gritos de “Fora, Dilma”, mais que tudo refletem essa vergonha, e resultam da incapacidade da presidente de deixar de manobrar para acobertar os ladrões.
Muitos articulistas têm insistido, na mal alinhavada defesa do governo Dilma, que ela está pagando o preço de um compromisso com os pobres, que é por defender os pobres contra os ricos que está sendo questionada; ou que, como eu li ontem, foi o Brasil bem cuidado que foi para a rua; ou ainda, como disse o infeliz ministro da Justiça, com temor refletido nos olhos, são os que não votaram na presidente que a estão criticando. Fariam melhor se encarassem de frente a verdade: que o Brasil tem uma poderosa classe média que não quer ser mais sangrada para beneficiar ladrões; que essa classe média não é contra políticas sociais, mas é contra a distorção dessas políticas, sua transformação em garrotes eleitoreiros; que não é contra pagar impostos, mas quer esses impostos usados corretamente. E que essa classe média é a metade dos cidadãos do país.
O Brasil mudou, companheiros.
E não será o governo propondo plebiscitos ou hipotéticos pacotes contra a corrupção que vai conseguir sair da armadilha em que se meteu com uma campanha mentirosa e ilusória. Até porque as manifestações da sexta-feira, 13, mostraram claramente a solidão social do PT. Vai ter que engolir a arrogância e negociar uma agenda concreta, clara, que precisa começar com uma reforma tributária que aumente a capacidade de governo dos Estados e Municípios, sem a qual não haverá reforma política que dê certo.

Um comentário:

  1. Pobre "rica e bem tratada" classe média, eu sou um.
    Antes, podia jantar fora um vez no mês; trocava de carro a cada 3 anos; férias de duas semanas; tinha poupancinha sagrada, o mês durava 30 dias mesmo.
    Há 10 anos, jantar fora cancelado; meu carro já fez 8 aninhos e vai se arrastando com seguidos remendos; férias? só fim de semana em casa mesmo; poupança sumiu pagando extras necessários; e agora o "mê$" termina uma semana antes, e começo a "queimar" por conta do próximo.
    Soy loco por ti "cumpanhera".
    Afe.

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