quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

O silêncio. A paz. E o horror! Por que se mata?



O horror! O horror!
O horror está onde nem imaginamos.
O horror acontece quando menos esperamos.
O poster tem uma mania - mesmo, no duro, uma mania confessa: embrenhar-se, em qualquer cidade, por ruas, becos, passagens - impasses, chamam os franceses -, normalmente percorridos apenas pelos, digamos assim, nativos.
Em Paris, por exemplo.
Nenhuma cidade do mundo - nenhuma mesmo, acredito - é tão convidativa para se andar à toa, despreocupadamente, descompromissadamente, bestamente, sem rumo, ao léu como Paris.
A cidade, parece, foi feita para se andar, para se perambular sem ter pra onde e sem hora pra voltar.
Não sem coincidência, encarna o flâneur - verdadeiro, legítimo, autêntico - apenas quem está em Paris, mas numa atitude, repita-se de andar ao léu, de andar sem rumo.
Em Paris, como não andar bestamente, pensando em nada?
Como não andar apenas com os olhos postos em nada e tudo ao mesmo tempo?
Em Paris, nas vielas, nos becos, impasses, sem ninguém por perto, ouvindo o som das portas sendo fechadas por quem chega do trabalho, ouvindo raramente o choro do bebê que ressoa lá de dentro, assistindo aos passos rápidos de quem caminha com o pão enfiado debaixo do braço, nesta Paris, algumas vezes flanando, já pensei bestamente, implausivelmente assim: "Num lugar como esse, tão sossegado, tão à margem dos bulícios, que seriam capaz de assaltar alguém, quem seria capaz de causar alguém mal a uma pessoa, a qualquer hora do dia? Num lugar desse, quem praticaria um atentado?"
Por várias vezes, pensei assim e depois fiquei pensando: por que pensei?
Sei lá. Nunca tive resposta pra isso.
Mas ontem tive.
Ontem, vendo o local onde três facínoras mataram 12 pessoas num atentado terrorista, o maior da França em 50 anos, lembrei-me fortemente dessas repetidas experiências a que Paris nos convida e nos estimula.
Olhem na imagem acima, do Google.
Aí está a imagem da sede do Charlie Hebdo. O prédio, de número 10, fica na rua rua Nicolas Appert, o local do atentado. Aqui, imagens da rua.
O pôster nunca esteve na Nicolas Appert. Mas, flanando, já esteve perto. Muito perto. Várias vezes.
Ali por perto, é uma experiência revigorante perder-se pelas ruelas, becos e vielas do Marais - não naquelas ruas por onde, parece, o mundo inteiro bater perna trança pra cá e pra lá.
É revigorante, sim, tomar os rumos do silêncio, pegar as rotas do sossego, seguir na trilha do recato, perceber um pouco da cidade vivendo por si mesma, e não sob impulsionada sob o ritmo de turistas apressados e barulhentos.
No Marais, aliás, bem perto da Nicolas Appert, o local do atentado, está um monumento à selvageria, ao abominável, à violência, à intolerância. É uma placa, lembrando o atentado que matou seis judeus, em 1982, no Restaurante Goldenbert, hoje local de uma delicatessen na Rua de Rosiers (vejam, abaixo, nas fotos do blog).
Mais perto da Nicolas Appert, já deu para flanar por algumas ruas que desembocam no belo Boulevard Richard Lenoir, extensão do Canal Saint Martin (abaixo, nas fotos do blog)., um dos recantos mais prazerosos de Paris.
São todas calmas, sossegadas, sem gente, silenciosas, recatadas, escondidas. Às vezes, misteriosas. Às vezes ecoando apenas algumas passos que avançam.
São ruas como a Nicolas Appert, número 10.
Ontem, o pôster concluiu que o pensamento besta experimentado em várias ocasiões não era, infelizmente, tão besta, tão despropositado, implausível e inadmissível assim.
Porque, sim, num lugar como esse, tão sossegado, tão à margem dos bulícios, com um aspecto de esquecido, desligado do tempo e inacessível ao mal, à violência e à selvageria, enfim, num lugar assim, o ódio, a violência, a brutalidade sem fim, a barbárie, a intolerância e a irracionalidade ceifaram a vida de 12 pessoas.
Doze.
O horror! O horror!
O horror está onde nem imaginamos.
O horror acontece quando menos esperamos.


A delicatessen Goldenberg, local de atentado em 1982, e a placa indicativa do horror:
nas ruas do Marais, a mesma calma da Nicolas Appert foi rompida pela selvageria
(Fotos do Espaço Aberto)


O Canal Saint Martin: aí e na sua extensão,o Boulevard Lenoir, desembocam ruas silentes, escondidas,
esquecidas e inofensivas como a Nicolas Appert. Por que se mata inclusive em lugares assim?
(Fotos do Espaço Aberto)

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