terça-feira, 21 de outubro de 2014

De parafuso em parafuso

Por ANA DINIZ, jornalista, em seu blog Na rede

Não pude escrever nas duas últimas semanas. Tive que enfrentar um maremoto de problemas.
Retorno agora, saindo das voltas do parafuso pessoal para constatar que as campanhas eleitorais para o segundo turno também estão em parafuso.
Assisto entrevistas surreais: perguntas sem respostas e afirmações sem perguntas. Retórica sem conteúdo. Puro palavrório.
Bate-boca sem debate. Fuxico. Um parafuso no rumo do lodaçal formado por pedaços de inquéritos, confissões duvidosas, confusões deliberadas. Rejeição contra rejeição: Kafka, o transgressor, gostaria disto. Ou talvez constatasse que tudo o que imaginou e escreveu é pouco diante da fertilidade brasileira, que transforma pau em pedra e esvazia palavras com uma inimitável arte.
Bem, pelo menos há menor quantidade de promessas impossíveis de cumprir, abundantes nas eleições passadas. Mas só porque o tempo de tevê é limitado.
Mesmo assim, os candidatos deveriam aprender com os romeiros de Belém e de Aparecida a arte de barganhar com os santos por meio de promessas. Os romeiros não prometem o que não podem cumprir. Quitam-se de maneira fácil: manhã de caminhada com uma casinha na cabeça, dias de caminhada na romaria a pé pelas estradas, períodos de esforço e sofrimento para agradecer e pedir. Não devem, não temem. Sobretudo, não mentem para os santificados, coisa banal nas campanhas eleitorais.
Este parafuso eleitoral não parece um voo. Parece mais uma broca, como as da Petrobrás. Às vezes, a broca encontra petróleo. Às vezes, gás. E, às vezes, apenas lama e água salgada. Pelo buraco aberto pela broca jorrará o que a terra guardou. O que será que o Brasil guardou? Até agora, o que vem saindo da perfuração, quer na tevê, quer nas redes sociais, assemelha-se a uma catarse coletiva: o Brasil profundo despeja tudo o que estava travado na garganta, dando voltas na cabeça, envenenando o cotidiano.  No fundo do poço talvez haja uma boa surpresa. Ou talvez mais lama.
Tenho esperança de que a experiência eleitoral deste ano seja aproveitada para alguma mudança que melhore o sistema. Uma pequenina esperança, apenas. O conjunto de políticos eleito para o Congresso nacional não ajuda em nada esta esperança. Em sua maioria são pragmáticos senhores que não costumam refletir. Uma representação correta do Brasil de hoje, em que leitores são raros e espiadores, milhões; em que as escolas produzem, para cada pesquisador, milhares de analfabetos funcionais.
Pode ser que esses pragmáticos senhores consigam identificar boas surpresas quando o parafuso eleitoral acabar. Pode ser que, depois que a broca despejou o lado negro do coração do Brasil, seja a vez da riqueza aflorar.
Se os romeiros acreditam nas graças e milagres, porque eu não acreditaria também?

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