Sob esse título o jornalista Carlos Mendes postou, em seu perfil no Facebook, uma carta em que, muito embora respeitando a decisão de Charles Alcântara, de romper com a candidatura de Marina Silva a presidente da República, faz várias ponderações para concluir que é "inoportuna" a opção do ex-coordenador da Rede no Pará.
"O que quero dizer, Charles, é que Marina Silva pode, sim, ser o grande canal dessas mudanças. Se ela chegar à presidência, com o desapego à reeleição, já por ela proclamado, poderá conduzir o País a esse caminho almejado por todos. Terá, para isso, a força das urnas e das ruas. Mas, para que ela faça isso, terá de contar com pessoas que reúnam ética, inteligência e coragem", diz Carlos Mendes.
Leiam a sua carta aberta
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Charles Alcântara nunca foi um oportunista. Nem arrogante ou dono da verdade. Quando chefiou a Casa Civil do governo petista de Ana Júlia Carepa, poderia ter feito como muitos ao seu redor: calar-se para os erros do PT na relação com os partidos aliados, fingir que nada tinha a ver com as disputas autofágicas que minavam a governabilidade e usufruir do cobiçado cargo estratégico que ocupava no governo, embora soubesse que equilibrava-se sobre um fio de navalha.
Ao perceber que havia entrado em rota de colisão com o chamado “núcleo duro” do PT no governo, que tinha entre seus cardeais o atual deputado federal e candidato à reeleição Cláudio Puty, não restou outra alternativa para Charles que afastar-se do governo. Ana Júlia, que fazia um governo “da DS e dos amigos”, como bem definiu Charles, forçou a saída dele da Casa Civil. Enfim, Charles foi atropelado pelo pragmatismo do tal “núcleo duro”, que manteve a governadora refém da fogueira de vaidades que consumia a DS, a Democracia Socialista do PT, até que o governo definitivamente fosse para o buraco, perdendo a batalha pela reeleição.
Charles foi digno até na queda, recusando-se a pedir demissão, como queria Ana Júlia, sem outra alternativa que não a de demiti-lo ela própria. Recebeu propostas de sinecuras para ficar, mas não vendeu a alma ao diabo. Saiu abalado, mas de cabeça erguida. Postura típica de um homem de caráter, que não se dobrou à fisiologia do poder.
Conheci Charles Alcântara, pessoalmente, na adversidade. Já tinha ouvido falar muito bem dele. Passei a admirá-lo, de longe. No final de maio de 2009, ele aceitou um convite meu e compareceu aos estúdios da Rádio Tabajara FM, uma rádio alternativa que foi perseguida, atacada, invadida e fechada pelos intolerantes no poder. Ele foi a estrela do programa “Jogo Aberto”, entrevistado por mim e meu dileto companheiro, o também jornalista Francisco Sidou. Fez revelações sobre a verdadeira causa de sua saída do governo, contou fatos que eram desconhecidos do grande público, e causou excelente impressão, tanto a mim como ao Sidou. Charles revelou-se um homem de ideias novas, argúcia incomum e qualidade ética de quem preocupa-se com o bem estar coletivo. Ou seja, um cidadão com credencial para compor um novo quadro político no País, sem os vícios e as ambições pessoais tão comuns naqueles que já gravitaram em torno do poder.
Fora da política partidária – saiu do PT, após mais de 20 anos de dedicação, justificando que o PT havia “abdicado do petismo” -, retornou à Secretaria da Fazenda, da qual é originário, sendo eleito para comandar o Sindifisco, uma entidade a quem deu visibilidade à altura da importância que merece. Cumpriu sua missão local na entidade e galgou relevância no País em favor dos trabalhadores do fisco e, indiretamente, dos contribuintes.
Por compartilhar das ideias de Marina Silva, assumiu a missão de montar no Pará a Rede de Sustentabilidade, um nome meio esquisito para um partido político, mas de filosofia definida pelo progresso social sem degradação dos recursos naturais. Marina assume a condição de candidata a presidente da República depois de uma fatalidade que tirou Eduardo Campos da disputa. Começam os debates na TV e no rádio. O crescimento de Marina empolga amplos setores nacionais e ela começa a despontar como favorita à sucessão de Dilma Rousseff.
No combate de ideias, Marina revela-se firme em pontos cruciais, muito à frente dos demais candidatos, mas vacilante em temas delicados, como economia e política de alianças, uma área que Charles domina como poucos. O inevitável acontece: a divergência substitui a convergência. Charles decide não seguir Marina e joga a toalha. Para não me alongar, a síntese de sua divergência é a seguinte: "Não posso acompanhá-la, porque o faria por mera crença nos seus bons propósitos e no seu carisma pessoal e porque isto é absolutamente insuficiente para considerá-la a melhor alternativa para o Brasil, principalmente depois do caminho que escolheste trilhar”.
E mais: “Não vou acompanhá-la porque considero uma fraude a pregação de que todos os interesses e todas as forças políticas podem ser conciliados sem conflitos e sem escolhas que desatendam e contrariem os que sempre se beneficiaram da desigualdade em favor dos que sempre foram as vítimas dessa mesma desigualdade”.
Entendo as motivações de Charles e concordo em parte com elas. Mas chamo sua atenção para alguns fatos umbelicalmente ligados ao momento político conturbado no qual vivemos, sobretudo quanto à representatividade das agremiações políticas que temos junto às massas marginalizadas que clamam por benefícios mínimos de satisfação coletiva para quem almeja um País decente.
Sem uma reforma política que acabe com esse toma-lá-dá-cá, esse jogo fisiológico sujo que só enriquece a grupos que se comportam como autênticas máfias no poder ou em volta dele, nenhum partido novo que surja, nem a Rede de Sustentabilidade, conseguirá fazer a mudança que tanto Marina prega. A “nova política” não passará da velha política de roupa nova. É como induzir alguém que acabou de receber o diagnóstico de um câncer incurável a ir para o shopping, dar um trato no visual, pintar os cabelos e comprar a roupa mais moderna. Por fora, será alguém com outra cara, até remoçada. Por dentro, porém, está morrendo.
Não podemos, meu caríssimo Charles, mudar a velha política com dezenas de siglas de aluguel sem ideias, sem propostas e que só se reúnem às vésperas de eleições para demarcar seus territórios no terreno do poder. São tais siglas que regem a chamada governabilidade. O PT caiu nessa quando foi obrigado a conviver com Sarney, Maluf e outros por aí afora. Partido minoritário que chega ao poder, sem acordos ou alianças, por mais espúrias que sejam, não governa, é boicotado e não se sustenta por muito tempo.
Não quero dizer, com isso, que essas alianças abjetas sejam necessárias. Elas são o grande câncer político nacional, mas isso não é o fim do mundo. Essas alianças podem ser extirpadas pela reforma política que contemple o voto distrital e o fim do voto obrigatório, além de um debate sério sobre o financiamento de campanhas. Não quero aqui nem falar na candidatura avulsa, aquela em que o cidadão poderia concorrer sem filiar-se a um partido político. Seria um golpe mortal no fisiologismo partidário. Há outras alternativas, mas, como já disse, não pretendo me alongar em expô-las e mostrar que são viáveis.
O que quero dizer, Charles, é que Marina Silva pode, sim, ser o grande canal dessas mudanças. Se ela chegar à presidência, com o desapego à reeleição, já por ela proclamado, poderá conduzir o País a esse caminho almejado por todos. Terá, para isso, a força das urnas e das ruas. Mas, para que ela faça isso, terá de contar com pessoas que reúnam ética, inteligência e coragem. Se ela ficar ou se sentir sozinha, abandonada por aqueles com quem compartilhou essas afinidades, não sei se terá forças para resistir à voracidade dos donos do Brasil. Aqueles que nada têm a ver com nosso povo e que sempre só se preocuparam com seus próprios interesses, pessoais e de grupos.
Peço ao amigo que reflita sobre o que digo aqui. Não estou pedindo que reconsidere sua decisão de abandonar o barco de Marina Silva, que singra águas tempestuosas, mas com possibilidade e probabilidade de bons ventos e tempo estável no final de sua jornada. Respeito sua decisão. Apenas a considero inoportuna. O Pará, com suas carências e grandezas de dimensões amazônicas, não pode abrir mão de Charles Alcântara e Marina Silva juntos. Não merece e nem é justo.
Do seu amigo, Carlos Mendes
Charles deveria abrir um partido único, todos fazem concessões, é a única forma de ganhar eleições.
ResponderExcluirNão sei o que aconteceu dentro do governo , mas na Assembléia Legislativa não tinha um deputado que defendesse a ação desse rapaz quando era chefe da Casa Civil do governo, e manter a coesão da base parlamentar é uma das funções decisivas da Casa Civil. Aliás, colheu sua primeira derrota no Legislativo antes mesmo de assumir o governo, quando, sendo responsável pela articulação da candidatura o professor Mário Cardoso (PT) para ocupar uma vaga de Conselheiro do TCM, viu sair vitorioso o então deputado Zeca Araújo ( PSDB).
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