terça-feira, 1 de julho de 2014

Sem razão


Por ANA DINIZ, jornalista, em seu blog Na rede

Um quarto da população mundial começa os jejuns do Ramadã, o Brasil inaugura o tempo da política com as convenções partidárias para a escolha de candidatos e quem quer saber disso? Festeiro como sempre, o Brasil arruma uma porção de meios feriados ou até feriados inteiros para assistir futebol. Quer dizer, assistir, assistir mesmo, só uma parte. A maioria se diverte e uma minoria ganha dinheiro. Inclua-se nessa minoria uns bons milhões de pessoas que aproveitam a festa dos outros para engordar seus orçamentos com horas extras, vendas de comidas e bebidas, gorjetas, corridas de táxis, participação em shows e outros.

Não há razão alguma para tanto, mas, novamente, quem quer saber disso? Blaise Pascal disse que o coração tem razões que a própria razão desconhece, João Gilberto colocou isso em música e o futebol transforma a frase em explicação. Razões? Não, paixões. Química especial na fisiologia humana. A paixão não dá razões, mas sensações.

O balconista da padaria mais próxima olhou a tevê e disse algo como: esses caras ganham milhões, eu é que não vou ficar assistindo. Isso foi antes de começarem os jogos. Depois... bem, depois ele consegue juntar-se à unanimidade contra o Fred.

Suárez fez um enorme sacrifício para chegar à copa. Depois mordeu a própria corda. Despedaçou suas chances. Por quê? Como diz o anúncio, porque sim. Descontrole emocional. Paixão. Esses caras que ganham milhões – ou nem tanto, como é o caso da maioria deles – também perdem a cabeça de vez em quando.

Políticos profissionais conseguem perceber facilmente o alcance da paixão popular, quando o circo é importante e quando não é. Dilma aproveita a paixão para consolidar metade do horário eleitoral gratuito na tevê. Obama tira uma foto vendo o jogo (só a foto, acredito, porque para quem gosta de basquete o futebol é muito chato) de olho nos eleitorados do sul dos Estados Unidos. Angela Merkel visita os alemães, a família real inglesa manda um representante para cumprir a agenda, a rainha da Bélgica se deixa fotografar torcendo. Os presidentes de Gana e Nigéria arranjam um jeito de pagar as dívidas com os jogadores (por lá, a corrupção no futebol é tanta que não dá para acreditar em promessas de cartolas).

Fizeram o dever de casa, todos eles. Por quê? Multidões apaixonadas podem deter uma guerra, Drogba provou isso na Costa do Marfim. Ou podem conduzir a uma guerra – e, neste aspecto, cada país europeu tem sua história para contar. Não dá para ignorar, nem para brincar, com a paixão.

Mas dá para fazer negócio. Arriscado, é verdade: a Espanha transformou em dinheiro a derrota e calcula em 600 milhões os euros que deixou de ganhar com a desclassificação. Mas, se der certo, os resultados serão melhores que a média, tanto para o encartolado da Fifa como para o vendedor de cachorro quente. É como operar a bolsa de valores. A pessoa pode ir, passo a passo, comprando e vendendo papéis seguros e ganhando pouco. Ou pode arriscar e ganhar muito ou perder tudo. Na bolsa, como no negócio do futebol, há um componente de risco alto, essência de paixão: você pode preparar a festa e depois ter que jogar tudo no lixo. Ou se divertir como nunca.

Sem razão, naturalmente. Puramente sensacional.

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