quarta-feira, 9 de julho de 2014

Joaquim e a Copa

Por ANA DINIZ, jornalista, em seu blog Na rede


Foi o julgamento de dois juízes corruptos, que haviam injustamente condenado Susana, que marcou o início da atividade profética de Daniel – assim conta a Bíblia, numa história que estabelece a diferença entre o bom e o mau juiz, a importância da busca pela verdade dos fatos e a necessidade de questionar os poderosos.


Bons juízes fazem muita diferença. E é por isso que Joaquim Barbosa fará falta. O homem que sai de alma leve das mais altas esferas do poder deixou mais leve também a alma deste país. Embora, como explicou uma vez Mao Tse Tung (não sei se por inspiração própria, se apenas reproduzindo um mote de algum sábio chinês), sempre se dá um passo atrás depois de dois passos à frente: na hora do passo atrás tudo parece perdido, mas você de fato avançou um passo. E é assim, passo a passo, que se mudam sociedades.

Se Joaquim leu ou não a história de Susana, pouco importa: ele exerceu os princípios estabelecidos pelo profeta Daniel há mais de cinco mil anos. Princípios que o emaranhado de leis brasileiras oculta frequentemente por meio dos dribles recursais. Uma palavra não vale mais que outra, esta é a essência da mensagem da história de Susana. Há que ancorá-las em fatos. Há que entender esses fatos e descobrir a intenção oculta sob a mentira. E agir com uma única preocupação: ser justo, fazer cumprir o pacto social, expresso na lei, no regulamento ou no regimento.

É difícil, creio, fazer isso num campo de futebol. Mas se os juízes – tecnicamente chamados de árbitros, mas sempre juízes – tivessem respeitado essa preocupação e esses princípios não teríamos o show de faltas que atingiu o seu clímax na dramática lesão de Neymar. Fizessem eles cumprir a regra básica do futebol, que é o menor contato físico possível entre os jogadores, e teríamos, com certeza, jogos melhores, mais bonitos, mais criativos, porque bem menos violentos. Graças a esses maus juízes o talento é punido: os grandes atacantes ficam imobilizados pelas faltas. Como James Rodríguez, no mesmo Brasil x Colômbia. De um modo geral, os árbitros desta Copa se preocuparam com coisas que não são de sua alçada: evitar suspensões de craques para os espetáculos finais, evitar magoar as torcidas... Com isso, fizeram prevalecer a força sobre a técnica de jogo. E puniram a habilidade e o talento.

Joaquim Barbosa foi só um bom juiz. Tivéssemos mais desses e não teríamos achado tão surpreendente a sua atuação. Seria normal o exercício inaugurado pelo profeta Daniel: não se fiar, nem se intimidar, com as aparências e com o poder, seja este político ou econômico, mas procurar o justo nos limites do pacto social que é a lei. Na Copa, o que estamos vendo é a tolerância com o desrespeito ao pacto. E podemos medir que a consequência é desastrosa.


Mas, como assinalou Mao, embora Levandowisk assuma a presidência do Supremo, um dos dois passos dados à frente ficará. A alma não fica completamente leve, mas, com certeza, menos pesada.

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