segunda-feira, 23 de junho de 2014

Francisco e os lobos



O cenário tem como pano de fundo o caos da sociedade italiana em pleno século XIII, mais precisamente em 1230; a Ordem dos Franciscanos dissimulou os estigmas na pele de São Francisco de Assis e escondeu o lugar exato de sua tumba, que só seria descoberta 600 anos depois. Nessa época, a pobreza extrema do povo contrastava com a opulência dos comerciantes e dos altos escalões do poder religioso. Que segredo terrível e ameaçador a Igreja desejava ocultar? O nome Francisco parece estar envolvido, dentro da Igreja, com a conspiração. O livro “A conspiração franciscana”, de John Sack, editora Sextante, responde, conduzindo o leitor por histórias paralelas que se cruzam e revela conexões surpreendentes.
Recentemente, o papa Francisco esteve em visita ao Oriente Médio. Seus gestos foram silenciosos, mas repletos de significados. Pode parecer um pormenor irrelevante, mas ajuda a entender por que essa visita, aparentemente inócua, foi sentida em Israel como uma ameaça. A cena mais emblemática foi o papa descer do carro sem aviso, na Cisjordânia, para rezar junto ao Muro da Separação, ou “Muro da Vergonha” (na foto), construído por Israel para concretizar fisicamente a exclusão do povo palestino. A intenção foi fazer do Muro da Separação um espelho do Muro das Lamentações, obviamente, uma mensagem poderosa. Claro que foi óbvia a alusão ao Muro das Lamentações de Jerusalém, tido como vestígio do Templo destruído por Tito (é um muro de arrimo acrescentado por Herodes), onde, durante milênios, peregrinos judeus foram suplicar pela vinda do Messias, pelo retorno dos judeus da Diáspora, pela reconstrução do templo e do idealizado reino de Israel. Sem usar palavras, o líder católico equiparou os hebreus do passado aos palestinos do presente e assinalou ao mundo em geral e a Israel em particular que o ponto de vista de Tel-Aviv sobre a história é um entre outros e os judeus não são tão diferentes dos árabes. Nem dos romanos.
Na verdade, foi uma resposta adequada à mensagem igualmente silenciosa do líder israelense, em dezembro passado. Ao convidá-lo a visitar Israel, o presenteara com o livro mais conhecido de seu pai, Benzion, historiador e sionista. “As origens da Inquisição na Espanha do Século XV” responsabiliza a Igreja Católica pela invenção do antissemitismo moderno, ao perseguir por sua origem étnica os cristãos-novos, católicos sinceros descendentes de judeus. No que, aliás, provavelmente está certo. O problema é insinuar isso como razão para negar ao Vaticano o direito de criticar a política de Israel.
Agora, mais recentemente, o papa dos pobres está entre lobos. O nome escolhido por Jorge Bergoglio foi uma homenagem ao pobre de Assis. E, alertou, seria só Francisco, pois numerações “eram coisas de reis”. Usa sua desgastada mitra de cardeal de Buenos Aires e recusou a genuflexão dos votantes. Continua com o crucifixo prateado e o velho par de sapatos ortopédicos. Afastou-se do trono e abraçou a todos, como iguais. Não usa automóvel de luxo e preferiu um modesto quarto no hotel de trânsito Santa Marta. Utiliza o refeitório comunitário. Quando sai do trabalho, cata moedas nos bolsos do traje branco e toma café de máquina.
Seu estilo de gestos simples tem incomodado os conservadores e defenestrados da Cúria. Escandalizada está também a turma apeada da lavanderia conhecida por Banco do Vaticano (IOR) e os que tinham uma carreira administrativa com mordomia e remunerações cheias de penduricalhos. O papa quer abandonar a forma piramidal de governo e busca o equilíbrio. Quer a responsabilidade compartilhada. Trocou o comando do IOR, defendido por dom Odilo Scherer. Sua postura desagrada a Ratzinger e a seu ex-secreário, o atual arcebispo Georg Gänswein, que teria dito que Francisco age expondo e desmoralizando os papas anteriores. Conservadores e oportunistas dizem que o papa não tem bagagem e é um “padre de aldeia”. A cada tento de Bergoglio, aumenta o número de lobos.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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