terça-feira, 10 de setembro de 2013

O fim da inocência nas ruas

Por LUCIANO MARTINS COSTA, no Observatório da Imprensa
As manifestações realizadas em onze capitais do país no sábado (7/9), dia de comemoração da Independência, foram marcadas pela violência, pela baixa adesão e por uma mudança na natureza dos protestos que começaram em junho e tinham como demanda central a garantia de direitos básicos da cidadania. A onda de passeatas que exigia a melhoria de serviços públicos e a reforma nos processos políticos perde espaço na mídia para as ações mais espetaculosas promovidas por grupos de vândalos.
A violência produz imagens mais interessantes, provoca debates mais acalorados, e, por seu caráter aleatório, que substitui a narrativa das demandas pela ação contundente, permite aos analistas da mídia tradicional lançar as culpas onde mais lhes convém.
Os adeptos da tática conhecida como “black bloc” não pretendem alguma coisa, não propõem mudanças objetivas, não demonstram possuir um projeto político explícito: ao priorizar a ação sem a reflexão antecedente ou paralela, eles se encaixam nos padrões do ativismo que favorece o status quo, ou seja, eles atuam contra as mudanças exigidas pelo movimento original. São revolucionários do tipo conservador, sobre os quais se pode afirmar que, ao propor uma mudança radical de 360 graus, acabam por se ver diante de sua própria retaguarda. Por esse motivo, alguns observadores citados pelos jornais na segunda-feira (9/9) afirmam que os “black bloc” prejudicam a democracia e favorecem o Estado.
O ato de vandalismo elimina o simples exercício de “refletir sobre o que estamos fazendo”, como alertava Hanna Arendt e, por consequência, abre um vácuo no campo das interpretações que é mais facilmente preenchido pelo reacionarismo, pelo simples fato de que a violência assusta o senso comum e reduz os espaços de compreensão.
O protesto contra os abusos da polícia é quase um mantra, uma vez que as operações dos agentes de segurança têm se caracterizado pela falta de controle e pelo uso excessivo da força. No entanto, os eventos do último sábado deixam claro que a polícia perdeu a iniciativa para os grupos articulados que adotaram o codinome “black bloc”.
Durante a passeata realizada em São Paulo, que contou com poucos manifestantes e uma maioria de ativistas do vandalismo, foi possível observar a tática que amplia o efeito das depredações.
A tática da violência
O grupo envia um pequeno bloco de encapuzados ao encontro da barreira policial, para provocar uma revista geral. Enquanto a polícia se distrai esvaziando mochilas, o grupo principal se dirige aos seus alvos, atacando vidraças de bancos e lojas, promovendo pichações e lançando seus coquetéis molotov e bombas caseiras.
Suas ações se parecem menos com a “violência revolucionária” nos anos 1960, defendida pelo intelectual francês Herbert Marcuse, e cada vez mais se assemelham às razias de milícias nazistas contra organizações judaicas, bibliotecas e universidades. Foi assim na Avenida Paulista, e a mesma tática foi aplicada no centro da cidade, onde um policial foi isolado pelos ativistas, que derrubaram sua motocicleta e o ameaçaram de linchamento. Para fugir dos manifestantes que o acuavam, atirando pedras e peças de metal, ele disparou para o chão enquanto corria em direção à barreira policial.
A cena, transmitida pela TV Bandeirantes (ver aqui), pode ser interpretada pelo espectador sem a necessidade de ancoragem do apresentador do programa. Claramente, o policial foi atacado, procurou se defender do linchamento e agiu de maneira eficiente para deixar a zona de risco e buscar abrigo, sem produzir ainda mais violência.
Interessante observar que cinegrafistas da Mídia Ninja atuavam como repórteres a serviço dos “black bloc”. No episódio em que o policial foi atacado pelos militantes, o jornalista ninja tomou claramente uma posição favorável aos agressores, o que impõe um problema ao coletivo de midiativistas: ao buscar a compreensão desse movimento, correm o risco de oferecer justificativas para atos arbitrários injustificáveis.
Uma parte do público que acompanhava a cobertura dos ninja percebeu esse erro de avaliação, e pediu mais reflexão dos midiativistas. Um dos comentários postados (ver aqui) diz: “Apoio vocês, mas não sejam injustos. Desinformação gera somente ódio sem propósito”.
Assim, na manifestação eventual de um comentário na rede social se reafirma a percepção segundo a qual “numa guerra, a primeira vítima é sempre a verdade”. Com o espaço público tomado pelo coletivo da violência, os movimentos que nascem de demandas autênticas da sociedade e resultam de muita reflexão política, perdem espaço na mídia. Inclusive na mídia alternativa.
O 7 de setembro marcou o fim da inocência nas ruas. Aqueles que apostam no retrocesso agradecem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário