quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Jornalismo de mais ou de menos?

Por Augusto Gazir, no Observatório da Imprensa
A cobertura ao vivo via streaming dos protestos no Brasil tornaram a Mídia NINJA um fenômeno. Passada a grande onda inicial de manifestações, os ninjas seguem com o trabalho, reúnem audiências de milhares e são constantemente tema de reportagens na grande imprensa brasileira e internacional.
Na quarta-feira (24/7), o trabalho do grupo não só foi citado, mas serviu de referência para reportagem do todo-poderoso Jornal Nacional, da Globo, sobre a arbitrariedade policial na prisão de um manifestante no Rio de Janeiro. Uma senhora vitória ninja, um reconhecimento e tanto pelo trabalho.
Este artigo tem como base, contudo, uma outra passagem da curta história ninja, a entrevista exclusiva que eles fizeram com o prefeito do Rio, na semana passada, quando o grupo teve o seu dia de vidraça. A Mídia NINJA não mostrou no gabinete a mesma desenvoltura das ruas. O próprio coletivo, num post no seu Facebook, resumiu o duelo: “De um lado, um profissional da política, debates e entrevistas. Particularmente hábil e bem treinado na conveniente arte de tergiversar. Do outro, uma rede de jornalismo independente que está organicamente, em fluxo, buscando sua estrutura editorial”.
Acompanhei um pouco no Twitter a repercussão da entrevista. A maior parte das mensagens que li se concentrava no desempenho dos ninjas, e não nas declarações do prefeito. Em geral, se comentava que os entrevistadores foram ingênuos, que Eduardo Paes dominou as ações, e muitos bateram na velha tecla corporativista de que o suposto fiasco mostrava que jornalismo era coisa para profissional diplomado, tarimbado.
Pois eu acredito que o pecado dos ninjas com Eduardo Paes foi justamente ser mais realista que o rei, mais jornalístico que o jornalista, se me permitem o trocadilho-paródia.
O meu argumento não mira na polêmica sobre a obrigatoriedade do diploma em jornalismo para exercer a atividade. Eu sou contra tal obrigatoriedade, mas a discussão aqui está além desse tema.
O meu argumento é que a Mídia NINJA, a sua atuação e produção, tende a ser mais complexa, portanto distinta, do que convencionamos perceber como jornalismo, por mais que ela dialogue e possa, inclusive, pautar e renovar tal campo, como mostrou a reportagem do JN nesta quarta-feira. Acompanhei poucas coberturas ninjas para ter a pretensão de fazer uma análise fundamentada, mas a princípio a minha impressão é que o jornalismo é uma das referências processadas na criação ninja. Há outras.
Dissecar, sistematizar
A narração extremamente coloquial, à la YouTube; uma experimentação menos ou mais consciente com a linguagem documental; a adoção não só do ponto de vista, não só do mesmo espaço físico, mas da condição, de uma espécie de personalidade manifestante (vide a dramaticidade da cobertura que um repórter ninja fez recentemente da própria prisão, que entre outros efeitos ofereceu uma dimensão informativa original e valiosa sobre a arbitrariedade da polícia) são alguns dos componentes em interação com tradicionais práticas e normas jornalísticas.
Na criticada entrevista com Paes, a mídia NINJA não reeditou a complexidade e as inovações do seu trabalho nas ruas. Ali, pelo contrário, era um pessoal se limitando a usar com maior ou menor competência batidos recursos de entrevista jornalística, e um político se esforçando para passar a imagem mais conveniente. Eu só consegui assistir a poucos minutos da entrevista dos ninjas com o Paes, da mesma forma que eu só conseguiria assistir a poucos minutos da maioria das entrevistas do prefeito, seja para que meio fosse. É o jogral com autoridades, é o jornalismo numa de suas expressões mais insossas (levantem a mão os que conseguem assistir com regularidade a algum programa convencional de entrevistas na TV…).
O problema da entrevista com o prefeito não foi não ter feito pergunta x ou y, não ter dado o enfoque tal, ou não ter pressionado o prefeito aqui e ali. A minha suspeita é que o problema foi adotar um paradigma tradicional de entrevista jornalística, e não ter dado vazão a outras referências de práticas e linguagens, à criatividade, que marcaram a atuação ninja nas ruas. O desafio assim não era fazer uma entrevista bem feita, não era nem simplesmente fazer uma entrevista com temas e questionamentos não tratados pela grande imprensa. O grande desafio era fazer da interação com o prefeito uma interação ninja. Como seria isso? São os ninjas os mais capacitados para responder. Há acúmulo produzido suficiente para analisar e para servir de insumo.
Por isso acho que cautela é necessária antes de definir a experiência da Mídia NINJA como jornalismo disso ou daquilo. Não porque o significante jornalismo não possa ser usado por quem quiser para a narrativa que quiser. Não, obviamente, porque os ninjas podem não ter um diploma específico. O porém que expresso é até que ponto os significados arraigados a esse significante não podem ofuscar a diversidade de influências da produção ninja, conduzir a deslizes como o da entrevista com o prefeito e limitar o próprio potencial renovador que a experiência representa para o jornalismo.
Melhor ainda se a citada cautela vier acompanhada de um esforço ninja para dissecar, sistematizar, documentar o que eles têm feito, identificar linguagens e práticas, explorar linhas de cobertura mais promissoras e empolgantes, abrir outras frentes, criar formatos... O tiozão Jornalismo vai agradecer bastante. Ele tem precisado muito de uns choques assim.
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Augusto Gazir, para o Canal Ibase, de Belfast

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