Alguém foi pra rua e não éramos nós!
A surpresa da autodenominada esquerda brasileira mostra o quanto se distanciou do que está acontecendo, de verdade, pelas esquinas e viadutos. Por seu turno, a autodenominada direita sofreu um choque: depois de anos de manobras domando rebeldias, a ponto de vestir os líderes antes radicais com suas grifes, descobriu de repente que só tinha conseguido um aceiro – e o incêndio isolado ameaçava voltar.
Os dois lados recorreram às mesmas fórmulas, que deram certo por tanto tempo. A direita abriu os cofres – do governo, lógico! – e a esquerda correu para a rua. Vamos voltar o filme!
No entanto os prefeitos vaiaram a presidente e as bandeiras vermelhas exibiram sua solidão em atos fragmentados e muito menores do que pretendiam – tão fracos que abriram espaço para saques e destruição.
E ninguém está satisfeito. Protestos ecoam por todos os lados, tirando do baú contas velhas e acrescentando novas. No Congresso, esquerda e direita correram atrás do prejuízo, aprovando ou rejeitando propostas sem maiores discussões e, portanto, insatisfatórias, porque inócuas em sua maior parte. No Executivo, as propostas são mais desastradas ainda: um ridículo e ilegal programa, chamado “Mais Médicos”, tenta encontrar um Cristo para as pedras da população e uma proposta mais ridícula ainda de reforma que não reforma nada, tenta acalmar os ânimos.
Não acalma. Hordas de bandidos descobriram que agir como faziam os hunos – saqueando em massa - é mais fácil que se arriscar no mão-armada individual de rua. Afinal, o Judiciário sempre exige que se prove que a mão que atirou a pedra pertence, sem sombra de dúvidas, ao réu ali presente...
Há algumas dezenas de anos que existe orçamento vinculado para saúde e educação. E o país inteiro reclama de saúde e de educação. A razão é simples: essas duas coisas não se resolvem somente com dinheiro vinculado e orçamentado, nem com médicos atirados de qualquer maneira no interior. Elas são um produto. Por trás delas está um patamar de vida: posto de saúde e pés descalços não combinam. Escola sem leitura em casa é instrutoria. Mas para ter pés calçados e leitura em casa é preciso dinheiro certo e trabalho dosado. Instrução sem renda resulta em doutor desempregado; e pés descalços no posto de saúde resultam em mortes em série nas UTIs infantis.
Discurso sistemático da esquerda quando na oposição, a reforma tributária com foco no aumento do poder local virou fumaça. E, em consequência, viraram fumaça também todas as esperanças despertadas pelo ativismo de esquerda: conselhos deliberativos, orçamento participativo, participação de lideranças... Os conselhos foram transformados em fóruns logo no primeiro ano do governo Lula. Conselhos são um calo, e o calo doeu.
Ouso discordar que deva haver mais recursos vinculados para educação e saúde. O Brasil precisa de terras demarcadas, vicinais trafegáveis, crédito barato ao pequeno produtor rural, seja ele familiar ou não, logística de abastecimento viável. Precisa desesperadamente de estradas – sejam elas de água, de ferro ou de asfalto – que permitam a circulação da riqueza e são, em última análise, o apoio real ao produtor de qualquer tamanho. Está devendo para a população água na torneira, o fim dos lixões e o tratamento de esgotos. Está devendo energia elétrica firme em 60% do seu território.
Ouso discordar que deva haver passe livre para estudantes. A razão é simples: os trabalhadores da base da pirâmide (os que ganham abaixo do mínimo, no mercado informal e no mundo rural) vão pagar uma parte desse privilégio. Eles não merecem isso. Como não merecem pagar quaisquer privilégios de que é farta a administração brasileira.
Ouso discordar que mascarados não devam ser presos assim que localizados numa manifestação e ficarem detidos, submetidos ao pente-fino da investigação, até que termine a passeata. Devem, sim. No caso, o tempo é fundamental para a potencialidade do risco. Não se pode brincar com ele.
Ouso discordar que a inflação reduziu o ritmo. Houve alguns suspiros de alívio, mas nenhum freio corretamente instalado para que ela desacelere. O segundo semestre representa sempre uma maré alta de consumo. A velha fórmula de juros altos e corte de gastos já não é suficiente para segurar essa onda. Em agosto, tudo voltará aos trilhos – e não exatamente como o ministro Mantega quer.
Ouso discordar que governos estaduais e prefeituras não saibam administrar. Pelo contrário: a participação direta dos governados permite muito mais flexibilidade e, é claro, muito mais fiscalização. Aliás, essa é a razão pelo qual os escândalos são tão frequentes nos municípios: é que eles são logo descobertos... Muito diferente do que ocorre no governo federal, onde poderosos lobbies operam tranquilamente. Onde a Previdência é uma caixa preta sem fundo.
Eu sei que vou receber algumas pedradas e que o que escrevo aqui pouco influi no todo. Mas vou seguir o conselho do papa e não me omitir.
Piada (ou desfaçatez?) é Lula, do alto de sua sapiência (ou cara de pau?):
ResponderExcluirHoje quem reclama é a classe que foi pobre e subiu para média com nossos espetaculares apoios sociais. Querem mais agora.
De chorar...não?