segunda-feira, 1 de julho de 2013

As vozes das ruas: o país vai mal


O sentido das vozes das ruas parece que não foi entendido pelo governo. Nos últimos dez anos, as eleições de Lula e Dilma, levantaram esperanças, especialmente nos jovens. Mas ninguém tem dúvida, o modo de fazer política não mudou: continuamos a nos escandalizar com episódios de corrupção. Isso tem deixado a sociedade num sono letárgico prolongado, de apatia mesmo. O que nos leva a sair dessa expressão de apatia é essa fúria que eclodiu, a partir das múltiplas manifestações. Demorou, demorou até demais. Faz tempo engolimos altos impostos, educação precária, saúde ruim e segurança pior ainda. O que está acontecendo agora no Brasil abre feridas antigas, mas abre também o debate. Como todos perceberam, os protestos se sucederam em velocidade e proporções espantosas pelas ruas do país e deixaram um rastro de perplexidade no público – e dissolveram, como substância corrosiva, os lugares-comuns que pautavam, até então, o debate político no Brasil. A dimensão do que acontece nas ruas do Brasil provoca muitas incertezas, mas não deixa dúvidas de que algo vai mal no país.
O país vive uma aparência de República, a sensação que se tem é que o sistema político se liquefez. Não é bom chegarmos ao ponto em que o povo não se identifica mais com o sistema político. A saída é a reformulação. Quem sabe se nessas reformulações poderia haver representantes desses movimentos que estão nas ruas. Não resta nenhuma dúvida, o novo está se apresentando. As elites políticas brasileiras, praticamente toscas, não perceberam. Eles não estão acostumados a ouvir as vozes das ruas. Fazem as baboseiras de sempre e nos enfiam goela abaixo. Há que se dar um basta nisso e arrumar uma maneira de convocar mecanismos e abrir discussões sobre novos modelos políticos para o país. O ministro do STF, Joaquim Barbosa deu uma boa dica, o voto distrital, onde o eleitor tem direito de anular, revogar e provocar uma nova eleição.
Os cartazes exibidos nas passeatas revelam como o alvo dos manifestantes, mais do que as tarifas do transporte público, ampliou-se para uma mensagem implícita em todos os atos e bandeiras. Ela pode ser formulada da seguinte maneira: Quem paga? Quem paga o aumento da tarifa de ônibus? Quem paga o famigerado “mensalão”? Quem paga os estádios de futebol construídos para a Copa das Confederações e a Copa do Mundo de 2014? Quem paga pela educação sucateada e de baixa qualidade? Quem paga por um sistema público de saúde precário? Ou seja, tudo se traduziu pelo “pagamento” de todos os problemas sociais que afligem a vida dos cidadãos brasileiros.
A democracia brasileira mostrou diversas formas de manifestações nos últimos dias. Claro, sem as depredações vistas em diversas cidades. Outra manifestação, esta saudável, foi a forte vaia que a presidente Dilma levou na abertura das Copas das Confederações. Ali, ficou exposto um desejo de mudança, de transparência e de fim da corrupção. O público foi ao estádio torcer pela Seleção Brasileira e, ao mesmo tempo, demonstrar que não concorda com essa gastança desmedida.
Sem mordaça a grita das ruas continuam. Como pode funcionar um país com um inchaço crônico, deambulando de muletas, com 39 ministérios, em sua maioria criada para afagar e agasalhar indicações de políticos inescrupulosos. Há muitos anos se espera por reformas: política, tributária e agrária. Até agora ninguém encarou. Agora, todo mundo quer. E pior, cada político tem uma ideia de reforma, o que complica muito mais.
Há pouco, nada podia ser feito. Sob pressão popular, o Congresso Nacional criou uma agenda propositiva. Pautas que não se sabia quando poderiam ser aprovadas, estão passando com uma facilidade nunca antes imaginada. As tarifas dos ônibus continuarão sem aumento, assim como os pedágios nas estradas, a PEC 37 foi rejeitada, a corrupção agora é será crime hediondo, os royalties do petróleo divididos em 75% para a Educação e 25% para a Saúde, voto aberto no Congresso no caso de falta de decoro parlamentar, etc. Há uma mensagem implícita em todos os atos e bandeiras que têm sido levantadas nas últimas semanas. Entre elas, o sentimento de que há uma enorme discrepância entre aquilo com que cada um contribui e o que recebe do poder público.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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