segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Quanta semelhança!


“Anistia é o ato pelo qual o governo resolve perdoar generosamente todas as injustiças que ele mesmo cometeu” (Barão de Itararé)

Aproveitando a entressafra indigente de todo início de ano, comecei a ler o livro do jornalista Mário Magalhães “Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo”. Carlos Marighella (1911-69) foi um bravo militante comunista desde jovem, deputado federal constituinte e fundador do maior grupo armado de oposição aos anos de chumbo – a Ação Libertadora Nacional. O livro tem um ritmo convulso e de um realismo perturbador. Marighella foi um homem sofrido, com várias passagens pela prisão, resistência à tortura, operações de espionagem na Guerra Fria e assaltos a bancos, carros-fortes e trem pagador. Neto de escravos recusava a tutela do medo.
Cursou o primário e o ginásio no “Gymnásio da Bahia”, onde se destacou em Matemática e Português. Um fato que se tornou interessante, na “Escola Polytechnica da Bahia”, em 1931, compôs versos para responder uma prova de química e gostava de fazer poemas de amor. Esse mulato soteropolitano além de profícuo poeta era um homem irreverente e gozador. O interventor Juracy Magalhães era alvo de poemas e da militância do estudante Marighella. De tanto panfletar na escola acabou sendo excluído. Marighella jamais se formaria em engenheiro.
Marighella jamais abandonou as ideias de justiça social e de revolução. Na rivalidade ideológica da década de 1930, o ideário comunista se opunha ao do fascismo de Benito Mussolini na Itália e ao nazismo de Adolf Hitler na Alemanha. Comunismo e fascismo se batiam pela condição de opção mais poderosa à democracia liberal. Ióssif Stálin era “ídolo, guia, mestre, educador e pai”; depois sobreveio o desencanto. A controversa vida de Marighella é também uma história dos movimentos radicais e da esquerda no Brasil e no mundo. Foi proclamado inimigo número um pela ditadura, o guerrilheiro foi emboscado e morto pela polícia de São Paulo, na noite de 4 de novembro de 1969.
Dia desses, li em Carta Capital, Plural, um texto de Elias Thomé Saliba, em que descreve as peripécias de Fernando Apparício de Brinkerhoff Torelly, o Barão de Itararé. Teve vida dramática, perdas familiares precoces e prisões arbitrárias. Criou o semanário “A Manha” acompanhado de brasão heráldico que justificava sua genealogia com o título de Barão de Itararé, uma cidade paulista na divisa com o Paraná, onde a decisiva batalha para traçar os destinos do Brasil, e pela qual todos esperavam, nunca aconteceu. Tal evento justificaria mais um de seus inesquecíveis epigramas invertidos: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”.
Foi um humorista diferente dos outros, se engajou e se tornou humorista “do contra”. Em 1934, as primeiras reuniões que resultaram na criação da Aliança Nacional Libertadora, entidade a aglutinar comunistas, socialistas, católicos, liberais, tenentistas, aconteceram nas saletas da redação de “A Manha”. No início do Estado Novo, a atmosfera obscura era mais propícia à subserviência do que à irreverência da Imprensa. Foi sequestrado. Preso novamente em Dezembro de 1935, foi um dos jornalistas a ficar mais tempo na prisão.
As pessoas guardam na memória a comicidade da criatura sem a melancolia do criador. O humorista expressa o que ele gostaria de dizer, sem poder. A máscara do palhaço lhe cola como estigma. E eu aqui pensei nas semelhanças entre Marighella e o Barão de Itararé.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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