quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Bajuladores virtuais


Amizade é para mim algo tão natural quanto respirar. Nasce de forma espontânea. Não é coisa que se explique. Existe por existir. Prova-se pelo que é. Sem regras de etiquetas. Não me exige nada. Nada lhe posso exigir.
Há quem faça da amizade um processo quase industrial. Para granjeá-la, haja trabalho! É todo um manual de cortesias. Café. Almoço. Jantar. Precisa saber o que vai dizer. Como receber e despedir, sendo anfitrião ou conviva. Precisa de muito tempo junto. Conversas de eternidade. Telefonemas. E-mails. Postagens. Gargalhadas estridentes na sala.
Vencida essa primeira parte, vem a fase da manutenção. Se o telefone não toca, o que estará acontecendo? Por que ele(a) não me envia mensagem? O silêncio dispara o alarme. Necessário mais festa. Mais gasto. Aniversário à vista, ou melhor, a prazo. Haja cartão pendurado! Vale tudo para não perder a conquista.
Se você notar direito, verá que raramente existe amizade pura. Prevalece o interesse individual ou mútuo. Muitas vezes é uma relação parasitária. Uma ponte de imaginação. Promoções. Dinheiro. Vantagens. Empregados convidam reiteradamente seus chefes. Peão convida o doutor. Conheci um camarada que nas festas dele só entrava patente elevada. O anfitrião nem diácono era da igreja, mas pela sua porta dos sonhos só passava pastor. De preferência, chefão dessas convenções asquerosas. Não deu outra: em pouco tempo, lá estava o sujeito todo engravatado no púlpito. “Pastor”. Papo furado! No máximo, um bajulador de Bíblia na mão.
Esta semana, fiz uma faxina no facebook. Peguei corda com um monte desses bajuladores. Tem gente que deita nessas redes dia e noite só para pescar seus peixões. Bajuladores virtuais. Eles só escrevem para seus círculos seletos. Puxam. Puxam. Puxam. Nunca aparecem pra nada. Nada do que dizem é para o público. Leem tudo e escrevem nada. Estão sempre de tocaia, à cata de alguma postagem que cite o alvo de suas amizades de fumaça. Quando encontram, aproveitam-se do que você postou e lançam a flecha interesseira.
Tenho por princípio jamais convidar meus superiores para festas, sobretudo se eu nunca fui convidado por eles. Reservo-lhes o direito da iniciativa. Se forem amigos, eles virão por isso. Hierarquia não é meu critério nessas horas. Prefiro o baixo clero. Gente do meu nível. Sigo mais ou menos o que Jesus ensinou: convido pessoas do meu clã para baixo. Não gosto de primeiros assentos.
Durante todas as festas que a Assembleia de Deus fez no Mangueirão, sempre fiquei na arquibancada. No Centenário, por motivo de saúde, pedi um lugar de mais fácil acesso. Não consegui a cadeira nem entrar devido à multidão. Também não reservo lugares nobres nas coisas que faço. Aliás, não faço muita coisa mesmo. Escritor é uma raça reservada. Precisa ficar a sós. Quem foi ao lançamento de meu novo livro, dia primeiro, deve ter notado a ausência de “autoridades”. Nada de vereador, deputado ou coisa parecida. Se eu convidar, é porque é amigo. Nunca por causa de títulos.
Não suporto bajuladores. Não gosto de ti-ti-ti. Aprecio a verdade e a palavra transparente. Bajuladores costumam elevar muralhas em torno de seus conquistados. Se você for a uma festa com eles – e não for do grupo – verá quanto trabalharão: ao mesmo tempo que bajulam, eles fazem piquete junto de suas nobres personalidades. Lutarão com todas as armas para que você não se aproxime. Eles decidem quem entra e quem sai desse mercado. Temem que você seja aceito pelos seus bons valores pessoais.
É legal cada pessoa ser valorada pelo que ela é, não pelo que ela vale. Ainda acredito em amizade assim. Amizade que não tem calendário de festas. Grátis. Que não seja grudenta, como se diz da última música do Roberto. Daí, se você está perto, tem amigo. Se fica longe, ele permanece contigo. Anos se passam, e o reencontro tem a mesma festa do princípio. Isto sim vale a pena.
Aliás, aproveitando o Roberto, não estou interessado em ter um milhão de amigos. Não luto pela quantidade, em primeiro plano. Interessa-me mesmo a amizade. Gosto de saber que estou crescendo com as pessoas. Dividindo problemas. Sorrindo a verdade. Ajudando. Não excluo ninguém. Posso ser amigo de branco, preto ou amarelo. Vou conversar com todos, independente de questão sexual, religiosa ou financeira. Sem essa de ficar tirando proveito da sexualidade alheia, como fazem certos pastores do Sul, que vivem nas esquinas se autojustificando. “Já receberam a recompensa da mídia”, parafraseio Jesus. Esta personalidade ilustre é o meu padrão de amizade.

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RUI RAIOL é escritor.
www.ruiraiol.com.br

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