quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Entre o crer e o ser


Eu estava apreciando a tarde na porta de casa quando uma senhora que passava pela rua me fez a seguinte pergunta: “Você acredita que a Terra será restaurada por Deus e aqui será um paraíso?”. Respondi-lhe que, em matéria de religião, não me interesso muito pelas coisas futuras, mas a mulher triplicou. Eu, idem. Quando percebi que a fita havia engatado - ainda sou desse tempo - respirei fundo e mergulhei mais adentro em minhas convicções.
Eu disse àquela senhora que o meu crer não é nada diante do ser. Do ponto de vista da verdade acerca disto ou daquilo, pouco importa o que eu penso ou deixo de pensar a respeito. Se a restauração da Terra é algo que Deus determinou em seus planos, o meu ponto de vista é indiferente. Deus fará e pronto. Agora, se referido paraíso é mera construção teórica, humana e teológica, nada adiantará eu acreditar nele.
Posso rir e chorar perante essa ideia paradisíaca, mas o meu crer não mudará o ser. Com isso, a mulher se foi, não sem antes me interrogar de novo. No meio da argumentação, citei à minha interlocutora dois exemplos teológicos que encontro no segmento evangélico. Primeiro, a questão do Milênio, um período de mil anos quando Jesus governará o mundo antes do temível Juízo Final. Matéria nada pacífica. Só alguns entendem que a Bíblia fala em sentido literal.
Outra questão se refere ao retorno de Cristo para resgatar seus seguidores nos dias finais. Uns dividem esse resgate em duas fases, uma invisível, quando haveria um tipo de rapto; e outra visível, quando virá para implantar o dito reino milenial.
Do ponto de vista da verdade, esses fatos independem da nossa fé. Haverá. De uma forma ou de outra. Portanto, não devo esquentar a cabeça. Não é assunto meu. É assunto reservado ao Soberano. A religião é algo construído. Ela pode estar assentada sobre um fato verdadeiro. Mas pode também abrigar uma infinidade de coisas que não têm nada a ver com o seu fundamento, ou ainda ter imaginário, a religião pode servir para mim enquanto movimento social, enquanto sentimento e convicção, mas, não tem o poder de tornar verdadeira a minha crença. Minha fé não cria deuses, exceto na minha cabeça.
Do ponto de vista cristão, as verdades são absolutas. Existem ou não existem. Nossa fé deve entrar em ação a partir de um mínimo de certeza. Um mínimo de conhecimento do processo de formação de nossa crença. Por que eu acredito nisto? Quem foi a primeira pessoa a afirmar isto ou aquilo? Que interesses podem estar em jogo? Qual o contexto do surgimento da minha fé? Como se desenvolveu? Eu creio em algo verdadeiro? Minha procura observa a vida diária. Ela insistiu. Eu repeti a resposta. A uma base falsa. Logo, se eu construo minha fé nesse universo de emoção tem condições de validar a verdade? É possível que eu chegue a acreditar até mesmo em deuses falsos? O meu Deus e toda a fé que exerço nele sobre a Terra tem uma correspondência verdadeira no lugar de sua habitação?
É interessante que, do ponto de vista da verdade, por mais devotado ou incrédulo que eu seja, minhas convicções não têm o poder de criar ou de anular o que é espiritualmente real. Independe da minha fé. Se é real, e eu creio nele, nada muda ali. Se não existe, e eu acredito, minha fé é nula e não pode criá-lo. Contudo, para o cristão que busca um norte para sua maneira de crer ou descrer, só resta a Bíblia. A Escritura é o repositório da verdade. Referência absoluta da fé. Nossa crença está assegurada ali? Ótimo! Prossigamos em crer. Calou-se o livro sagrado? Ponderemos.

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RUI RAIOL é escritor
www.ruiraiol.com.br

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