sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Método de julgamento do mensalão racha o Supremo

Por RODRIGO HAIDAR, do Consultor Jurídico

O clima entre os ministros do Supremo Tribunal Federal continua ruim. Se em plenário foi forte a discussão sobre qual deveria ser a metodologia de julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, internamente as acusações mútuas entre os juízes do tribunal ficaram ainda mais pesadas.

A sessão desta quinta-feira (16/8) começou com quase uma hora de atraso por causa de uma reunião chamada pelo presidente da Corte, Ayres Britto, para tentar um entendimento entre o relator Joaquim Barbosa e o revisor Ricardo Lewandowski. A reunião foi interrompida sem acordo. A divergência central é sobre o roteiro da votação: na integralidade ou por itens, como propôs o relator. A discordância sobre o método ganhou o plenário e, após o voto do relator sobre o primeiro item da denúncia (clique aqui para ler), permaneceu o impasse.
O revisor, ministro Ricardo Lewandowski, defendeu que os votos deveriam ser lidos integralmente, de acordo com o artigo 135 do Regimento Interno do STF. Primeiro vota o relator, depois o revisor e, em seguida, os demais ministros. Com seus votos conhecidos na íntegra. Mas o ministro já admitiu ceder ao julgamento fatiado, diante do apelo do decano, Celso de Mello, do presidente, Ayres Britto, e do ministro Marco Aurélio.
Pelo julgamento fatiado, que deverá prevalecer a partir de segunda-feira (20/8), o relator vota sobre um dos oito itens da denúncia e diz se condena ou absolve os réus. Passa a palavra ao revisor, que vota também estritamente sobre o item, e depois se colhem os votos dos outros nove ministros. Essa é a prática que deverá ser adotada na retomada do julgamento, já com o voto de Lewandowski sobre o primeiro item analisado pelo relator.
Antes de o revisor admitir que deverá ceder ao método proposto pelo relator, Barbosa e Lewandowski estavam irredutíveis. Ao final da sessão, o ministro Marco Aurélio saiu em defesa do revisor: “Penso que o irredutível não é ele (ministro Lewandowski). Porque do ponto de vista dele, o relator deveria proferir o voto julgando a ação como um todo, para até mesmo nós termos uma ideia do conjunto e, após esgotada a matéria pelo relator, se ouviria, no tocante à totalidade, o revisor”.
O impasse evidencia que os ministros deixaram de conversar entre si. Foi a primeira vez que o relator informou a seus colegas a roteirização de seu voto. Vê-se dois grupos. Os que defendem a aceleração do julgamento — dentro de uma tendência aparentemente "condenadora" — e os que não aceitam a abreviação do processo, no polo oposto. Os dois ministros mais antigos, Celso de Mello e Marco Aurélio, mostram-se independentes, mas repudiam as tentativas de dar tratamento processual diferenciado a este caso.
Para Lewandowski, o STF está ferindo o devido processo legal ao adotar o julgamento fatiado. Ou seja, o julgamento seguindo os oito itens da denúncia, na qual se analisam as condutas individuais a partir dos crimes cometidos pelos grupos expostos na acusação.
“Sua Excelência apresenta um voto por itens, por crimes. E eu trabalhei nos últimos meses examinando a conduta de cada réu e as imputações que lhe foram feitas pelo Ministério Público”, afirmou, em plenário, Lewandowski. “Ministro, eu lhe pergunto: eu não fiz isso aqui e agora no meu voto? Não examinei a conduta de cada um envolvido nesse item?”, questionou Barbosa.
O relator insistiu no julgamento fatiado. “Se deixarmos para fazer as proclamações — evidentemente que qualquer um pode mudar seu voto mais tarde, até eu mesmo posso mudar — nós vamos prejudicar em muito a compreensão do caso. Em muito! E, por outro lado, nós corremos o risco de não termos o relator até o final. Eu estou advertindo!”, disse Joaquim Barbosa.
O revisor argumentou: “Eu procurei examinar a conduta de cada réu, per si, de modo a não apenas individualizar a conduta de cada réu, mas também, depois, de fazer a individualização da pena, como mandam a Constituição, o Código Penal e o Código de Processo Penal”. Lewandowski disse que estava, apesar de querer colaborar, diante “de uma enorme dificuldade”. Isso porque fez 38 votos distintos.
“A minha metodologia de abordagem do processo é completamente distinta da do eminente ministro relator. Recebi o apelo de coração aberto, quero colaborar, mas nós estamos em um impasse metodológico praticamente insuperável”, afirmou o revisor.
O ministro Joaquim Barbosa lembrou que, devido a seus problemas de saúde, pretende deixar o plenário quando o revisor e os demais ministros estiverem votando. E completou: “O ministro Lewandowski acabou de dizer aqui que carregou dois pesos durante esses seis meses. Faz sete anos que eu carrego o peso desse processo, cumulado com licenças médicas várias, afastamentos vários”. E acrescentou que o acórdão de recebimento da denúncia está publicado na forma de julgamento que propôs e que as alegações finais utilizaram a mesma metodologia.
“Mas, ministro, o revisor não está jungido ao acórdão de Vossa Excelência. Eu estou estrito à denúncia e às alegações finais da acusação. E depois, Excelência, eu peço licença para dizer, respeitosamente, mais uma vez, que essa metodologia que nós vamos adotar ofende, a meu ver, frontalmente o devido processo legal, que para nós está estabelecido no artigo 135 do nosso regimento. Não há nenhuma menção nesse dispositivo ao fatiamento”, rebateu Lewandowski. O presidente Ayres Britto observou que também não há nenhuma disposição que proíba o fatiamento.
Neste ponto da discussão, o advogado José Carlos Dias, que defende Kátia Rabello, ex-executiva do Banco Rural, foi a tribuna e pediu a palavra ao presidente, que concedeu: “Queria apenas transmitir a esta corte a perplexidade com que nós, advogados, nos encontramos quando vemos o risco de ser realmente rompido o caráter unitário desse julgamento. Eu espero que essa corte venha julgar com o equilíbrio de sempre, mas mantendo esta unidade”.
Apesar do apelo do advogado, o julgamento será fatiado. Na segunda, o ministro Lewandowski votará sobre o primeiro item analisado por Barbosa, que é o terceiro item da denúncia. Neste item, o relator votou pela condenação do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) pelos crimes de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro. Também votou para condenar os publicitários Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach por corrupção ativa e peculato.
O impasse será resolvido, mas as feridas abertas pela discórdia do julgamento do processo do mensalão, ao que tudo indica, demorarão a cicatrizar no Supremo. 

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