sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A revolta das belas

Por ANA DINIZ, no blog Na Rede

Não, eu não vou tratar de cachoeira ou mensalão. Depois deste longo intervalo, em que tive que dar contas de compromissos absorventes, prefiro escrever sobre elas. As belas.
Primeiro foi na Bahia. De biquíni e salto alto, as belas ocuparam um trecho do Pelourinho para dizer, alto e bom som, que transexual em concurso de beleza é covardia. Mulher é mulher, homem é homem e transexual, que no caso é uma mulher que já foi homem, não tem bumbum à altura de um concurso de beleza. Seus argumentos foram reforçados pelo que o fio dental não encobre. O protesto pode não ter conseguido seu objetivo – e, de fato, não mudou o resultado – mas levantou uma lebre difícil de apanhar: há ou não necessidade de reconhecer o intervalo entre os gêneros? A fisiologia não deixa margens de dúvida, mas a psicologia... ah, a psicologia permite todas as variações possíveis. As belas querem definições e respostas. E, se hoje se trata de um concurso de beleza, isto é só a ponta da montanha submersa. Cada vez que entra na água, o mergulhador poderá deslizar nas encostas de competição em que se disputa a beleza, e as belas não estão nem um pouquinho dispostas a encarar a concorrência que nasce da ponta de um bisturi.
Na semana seguinte, aconteceu no Rio. Desta vez, contra uma mineira que, mineiramente, ganhou o Miss Rio de Janeiro. Sob vaias, em prantos, recebeu a coroa com as carioquíssimas candidatas voltando-lhe as costas. A maquiagem era à prova d’água, não borrou. As competidoras alegaram concorrência desleal. Afinal, se é Miss Rio tem que ser carioca, segundo elas. E usaram o mesmo argumento das baianas: aqui não falta mulher bonita! Não é preciso procurar em outro lugar!
Saindo das passarelas, as belas tiram a roupa na rua para outros protestos, mais políticos. Vindas da Ucrânia, elas mostram os seios para defender a decência nas contas públicas ou no tratamento com os animais. Desenvolvem performances contra o programa nuclear e contra o mais antigo problema social do gênero feminino: a agressão sexual, quer por meio do estupro, quer por meio da prostituição.
Nisto, juntam-se a milhares de outras mulheres, não tão belas, mas igualmente dispostas a usar livremente os dotes genéticos que receberam: com ou sem sutiã, vestidas ou desvestidas, com as caras manchadas ou maquiadas, reúnem-se nas Marchas das Vadias pelo mundo afora, de preferência com pouca roupa ou lingerie, para combater o sexo forçado, inclusive o da intimidade dos casados. “Eles nos chamam de vadias se aceitamos ou se recusamos”, explicam as líderes. “Então precisam aprender a respeitar as vadias”.
Coisa que se sabe há milhares de anos, por força das histórias de Dalila, a filisteia que deixou Sansão sem forças, e de Judith, que fez o rei assírio Holofernes perder a cabeça, primeiro com fulminantes olhares, depois com um golpe de espada no pescoço.
Mas entre saber e aprender há uma distância enorme, e o poder das belas é subestimado até hoje. Talvez por isso que, neste início de século, algumas delas tenham se decidido pelo ensino prático. Um arrogante jovem desta Belém teve que aprender da pior forma:
A discoteca rolava com som e luz estraboscópica quando um grito feminino venceu o barulho:
- Quem pegou na minha bunda?
O arrogante e sarado rapaz se apresentou, olhando de cima:
- Fui eu, por quê?!
A bela era campeã de jiu-jitsu. Antes que os seguranças da casa interviessem, o rapaz tinha recebido a lição: pelo menos perguntar de quem era a bunda, antes de passar a mão nela. Os pés voadores dela deixaram o rosto dele em estado lastimável. E os brucutus da segurança não conseguiram vencer a barreira de rostos bonitos que se interpuseram entre eles e a jovem campeã defensora do respeito.
As belas não são mais como antes. O que é ótimo, não.

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