segunda-feira, 5 de março de 2012

Telhados de vidro


O oportunismo transforma facilmente a vida de alguns cidadãos, principalmente, de políticos. Os tucanos se bicam. No ninho tucano parece habitar o ovo da serpente. Como se dizia antigamente, com os amigos que têm os tucanos não precisam de inimigos. De maneira deselegante, dia sim, outro também, seus líderes se atacam e se acusam, expondo, sem qualquer comedimento, as desavenças em público.
E lá vem José Serra na avenida. A história de como Serra tornou-se candidato em 2002, por exemplo, era conhecida. Mas não havia sido contada por Fernando Henrique Cardoso ou outra autoridade peessedebista: a “tensão” entre os pré-candidatos do governismo de então, o modo como Serra se impôs sobre eles, sua vitória “inconvincente”. Diz FHC que seu “candidato natural” seria Mário Covas, se a fatalidade não o tivesse levado um ano antes. Serra foi apenas quem sobrou (ao eliminar seus concorrentes), mas não conseguiu “convencer” o eleitorado. Ou seja, a vitória de Lula - e o início do ciclo petista na Corte, que não dá sinais ou sintomas de que terminará em 2014 - nada tem a ver com o julgamento desfavorável de seu governo. A culpa é de Serra.
Como é dele, também, a explicação da derrota de 2010. Sua “arrogância” o impediu de formar alianças, seu “isolamento” o levou a conduzir uma campanha onde “erros enormes” foram cometidos. Perguntado se teria sido possível ao PSDB vencer Dilma, apesar do endosso de Lula, disse que sim. Desde que o candidato não fosse Serra.
Como se houvesse qualquer semelhança essa liderança, que não lidera, conflita com a autoimagem que tem. Sem qualquer modéstia - e pouca visão da realidade -, FHC acha que ele e Lula são “os dois únicos líderes” brasileiros dos “últimos 20 anos” (o que entende ser pouco para “um país tão grande”).
Quanto a Aécio Neves, foi enfático ao dizer que é o “candidato óbvio” do PSDB em 2014, mas, perguntado se teria condições de ganhar, tergiversou. Repetiu a trivialidade de que ele tem um “grande apoio” em Minas, mas que será obrigado a brigar com Serra para se tornar candidato. Com lideranças desse tipo, é impossível que um partido esteja bem.
O anúncio de que Serra disputará prévias do PSDB à prefeitura de São Paulo, dá o tom do que vem pela frente nas campanhas para as eleições municipais: projetos pessoais acima de uma política urbanística moderna. Na esmagadora maioria dos municípios, as divergências federais - ou as mais proeminentes - ficam em segundo plano, valendo a política do balcão familiar. Mas Serra continua o símbolo da decrepitude neoliberal, de presunção ímpar que fez e faz seu partido minguar a cada instante, a cada eleição. Bom para o PT, sem dúvida. Um partido de base e origem sindical ter chegado ao poder foi uma glória e uma necessidade democrática.
Contudo, é decepcionante a oposição não conseguir apresentar um projeto de poder alternativo e até melhor para propiciar a dialética evolução da sociedade. Na abordagem ficou de fora, no entanto, as implicações nessa pálida candidatura do sucesso do livro de Amaury Ribeiro Jr. “A Privataria Tucana”, que ainda figura da lista dos mais vendidos na internet. As denúncias ali contidas servirão para aumentar a rejeição ao tucano? Tudo pode acontecer em ano no qual o STF deverá se pronunciar sobre o suposto mensalão. Articulações e coligações espúrias serão evidenciadas? Pode ser, mas lembremos de que antes da composição PT-PSD até PSTU e o antigo PFL já se coligaram.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

Um comentário:

  1. Eu perguntaria ao colunista se o PT é melhor que o PSDB na arte de chocar ofídios, afinal, se um partido que torna a corrupção um método de governo, e cuja política externa consiste também em apoiar seres rastejantes da estirpe de Kadafi e Armadinejad, o quê há de errado naquilo que a democracia tem de mais comum, que é a competição? A ex-candidata do PT à prefeitura de São Paulo também não chegaria a essa condição se só habitassem passarinhos inocentes em seu ninho.
    José Serra não aparece hoje exatamente como um mau candidato. Prova disso é o pânico que sua chegada causa aos petistas em São Paulo, já se mexendo para sabotar suas visitas a obras construídas em sua administração. Se o convencimento do eleitor é importante, melhor Haddad deixar a campanha já, porque há pesquisas mostrando sua baixa intenção de voto.
    FHC tem todo o direito de criticar a atuação de Serra na estratégia de campanha, mas então temos que considerar correto o autoritarismo explícito na campanha de Dilma, uma candidatura que, sob a imaginosa conversa de se tratar de uma culminância das conquistas femininas na sociedade, exprimiu os caminhos obscuros da conservação do poder do lulo-petismo? Não à toa, Lula ainda é tratado pelos súditos do palácio como o verdadeiro presidente.
    O combate à violência em São Paulo é comprovadamente vitorioso, com a grande redução nos homicídios, ao contrário dos estados governados pelo PT e aliados. Isso não é uma “política urbanística moderna”? Ou seria “moderno” deixar que os viciados em crack dominassem as ruas, impedindo aos cidadãos trabalhadores o direito de ir e vir em segurança?
    Se de fato o PT poderia comemorar a “decrepitude” de Serra e do PSDB – e não é isso que se vê hoje em São Paulo – poderiam também os brasileiros comemorar a transformação da corrupção em política de Estado pelo partido que diz representar os trabalhadores? Aliás, a esquerda de um modo geral se dedica mais a sufocar a democracia que a cuidar das necessidades desse sistema ainda frágil no Brasil. Basta ver a sanha de gente como Franklin Martins para amordaçar a imprensa, e ainda o tal “debate pela regulação da mídia”, levado em frente pelos “blogueiros progressistas”, devidamente abastecidos com o seu, o meu, o nosso dinheiro. Diante dessa evidência de “isenção”, só dará crédito a Amaury Jr. quem for muito ingênuo ou mal-intencionado.

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