terça-feira, 20 de março de 2012

Pará perde mais com omissão do que com a Lei Kandir

A revelação de que o Estado tem perdido, nos últimos dez anos, pelo menos R$ 5 bilhões anuais porque não cobra as mineradoras pelo uso de seus recursos hídricos poderia muito bem tornar-se um ponto de inflexão no discurso de que a reforma da Lei Kandir é essencial para evitar que o Pará continue a ser esfolado em seus cofres.
E de fato é. O Pará é espoliado, esfolado, arrombado com a desoneração das exportações da cadeia mineral. No ano passado, o do Tribunal de Contas do Estado fez um estudo detalhado - que inclusive foi entregue em mãos pelo presidente do TCE, conselheiro Cipriano Sabino, ao governador Simão Jatene - sobre as perdas causadas pela Lei Kandir.
O trabalho revelou que o montante das perdas tributárias decorrentes da desoneração das exportações, com base na Lei Kandir, alcança, entre 1997 e 2010, a quantia de R$ 21,5 bilhões. Não é pouca coisa. Ao contrário, é muitíssima coisa.
Mas vejam só.
A reforma da Lei Kandir é um assunto de todo dia, o dia todo. E nunca se sai do lugar. E assim acontece porque a lei é federal. É preciso uma reunião de forças políticas que demanda uma enorme, grandiosa, amazônica capacidade de articulação. A reforma esbarra em circunstâncias políticas que acabam por se refletir em todos os Estados, e não apenas aos grandes exportadores de minérios, como Pará e Minas.
Pois é.
E a cobrança de recursos hídricos?
O Pará, tendo desperdiçado pelo menos R$ 5 bilhões nos últimos dez anos, já abriu mão de arrecadar mais de duas vezes o que o Estado desperdiçou com a Lei Kandir num ciclo de de 13 anos, conforme o estudo de técnicos do TCE.
E a cobrança dos recursos hídricos não depende de reunião de forças, de articulações políticas, de superações de conveniências regionais - de nada disso. Basta apenas que se faça valer a lei, que está aí, plenamente em vigor.
Com R$ 5 bilhões em seus cofres a cada ano, o Estado poderia distribuir os quinhões de municípios como Paragominas, por exemplo - de onde se extraem 9,9 milhões de toneladas anuais de bauxita por ano -, e sedimentar vinculações políticas, econômicas e sociais capazes de amenizar um pouco mais a centalização sociopolítica que ainda tem Belém como polo predominante.
No momento, todavia, o governo do Estado se põe num mutismo que acaba sendo revelador. Tão revelador como os R$ 5 bilhões que vêm sendo desperdiçado há décadas.
É que, assim, como os seis personagens de Pirandello que estavam à procura de um autor, talvez o governo do Estado ainda esteja atrás de um discurso capaz de justificar por que dar prevalência a uma taxa que vai agregar a merreca R$ 800 milhões aos cofres do Estado, se o Pará poderia passar a mão numa bufunfa de R$ 5 bilhões, sem fazer esforço.
E o mesmo discurso que está sendo procurado, digamos assim, também poderá justificar por que o Estado prefere gastar energias com a tal reforma da Lei Kandir, quando poderia muito bem meter nos cofres R$ 5 bilhões que as leis lhe asseguram.
Mas esperem que logo, logo teremos esse discurso.
Ou não, sabe-se lá.

5 comentários:

  1. Ismael Moraes20/3/12 09:43

    Prezado Paulo,tu sempre consegues fazer análises que avançam em muito os temas - e até calcular o tratamento político que as autoridades darão para tentar se isentar ao máximo de suas omissões.
    Parabéns.

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  2. Marise Morbach20/3/12 11:06

    Paulo, é necessário unir a Região Norte contra a Federação; aliás, já passou da hora. Os números que você apresenta são reveladores do "estado da arte" em que nos encontramos. Até quando?

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  3. Caro Paulo, o absurdo de tudo isso é a completa ausencia de comentários de autoridades de plantão e os representantes do povo na AL, cade a bancada do PT? esse assunto é muito serio e precisa ser esclarecido.

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  4. Duas perguntinhas básicas: de quanto seriam as exportações paraenses se o Estado pudesse cobrar o ICMS sobre elas? Por quê o TCE não disponibiliza esses estudos para as naturais contestações?

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  5. O Pará precisa de uma Lei Kandir ao avesso: uma que sobretaxe exportação mineral sem valor agregado, como a China fez com seu commodity mineral e com suas "terras raras", que provou até uma explícita ofensiva neocolonial amparada na OMC.
    Essa será a disputa geopolítica do século XXI, que confrontará BRICS e emergentes com EUA e zona do Euro, e o Pará estará no centro dela. Ou nossa liderança política se atina à isso ou não é que passaremos incólumes, seremos passivos do protagonismo de interesses alhures dentro do próprio Brasil.

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