STAEL SENA
"Quem sabe o que as mulheres poderão chegar a ser quando, finalmente, forem livres delas mesmas".
Betty Friedan (1921-2006)
O seio iluminista do século XVIII foi fértil para deslanchar a luta pelos direitos da mulher. De repente, conforme os registros históricos, um grupo de mais de uma centena de mulheres operárias de uma fábrica têxtil sobrevivendo num sistema desumano de trabalho, com jornada de 16 horas diárias - somado a espancamentos e ameaças de natureza sexual - decidiu entrar em greve e reivindicar a redução da jornada para 10 horas, direito à licença-maternidade, além de salário igual ao dos homens. Esse fato alvissareiro aconteceu no dia 8 de março de 1857, New York (EUA), sendo encarado de forma violenta pelos patrões da época. Trata-se da primeira greve norte-americana dirigida exclusivamente por mulheres.
A face trágica do movimento reivindicatório, todavia, deu-se através da repressão policial que levou as operárias a refugiarem-se no interior de uma fábrica de tecidos. Os donos da empresa, com o auxílio policial, trancaram as reivindicantes no imóvel e atearam fogo no mesmo, matando 129 tecelãs carbonizadas. Hoje, certamente, um movimento como daquelas valorosas mulheres seria considerado normal no contexto dos direitos consagrados no mundo democrático contemporâneo.
Antes de ir adiante, todavia, é preciso reconhecer que ainda reina a presença da intolerância e da discriminação em relação ao gênero feminino em outros quadrantes políticos, econômicos e culturais.
Por essa e outras razões é que o Dia Internacional da Mulher está ligado umbilicalmente a ações que buscam, historicamente, igualdade e justiça. José de Oliveira Ascensão, catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, tem razão quando aponta que o fato altera as situações existentes, deslanchando efeitos de direito. Sem falar que o fato social quase sempre antecede a norma reguladora dos direitos conquistados.
E o que dizer da participação política das mulheres brasileiras? Senão que ainda vigora uma forte desigualdade. Conforme Flávia Piovesan, professora de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a participação feminina no Poder Legislativo restringe-se atualmente a 11,54%, ao passo que a do homem corresponde a 88,46%. No Poder Executivo, a participação da mulher cai para 5,71%, enquanto a participação masculina é de 94,29%. Trata-se, como se vê, de uma sub-representação das mulheres na política consoante avaliação da socióloga Lúcia Avelar. Essa realidade espelhada em percentuais, além de sub-representação, revela um flagrante paradoxo diante do fato de que as mulheres são mais da metade da população e a maioria do eleitorado.
O constituinte brasileiro de 1988, tendo consciência que a mãe de todas as injustiças é a discriminação, estabeleceu de forma expressa na Lei Maior o objetivo de promover o bem de todos, sem preconceito de sexo, origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. A beleza das intenções consagradas na Constituição do Brasil, entretanto, ainda não se espelha na realidade como deveria.
Anos atrás a Folha (on-line) ofertou a seguinte questão a seu público leitor: em sua opinião, qual o maior desafio da mulher atualmente? Resposta: 40% dos que se manifestaram à sondagem avaliou que o maior desafio era ser aceita sem precisar seguir os padrões da sociedade, 34% criar filhos e trabalhar para ajudar no sustento da casa e 26% requeria ser reconhecida no trabalho e ter salário semelhante ao do homem.
A Assembléia Geral das Nações Unidas consagrou oito de março o Dia Internacional da Mulher. Posto isto, a história vem demonstrar que aquelas tecelãs faziam jus à herança que deixaram às presentes e futuras gerações. Diante desse expressivo legado, ainda resta muito a resgatar para homenageá-las com devoção.
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STAEL SENA, advogado pós-graduando em Direito (UFPA)
Excelente artigo. Mas ainda há muito a conquistar. Que o passado sirva de lição para o presente e para o futuro.
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