quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Café Riche, vanguarda do Nilo
No centro do Cairo, a duas quadras da Praça Tahrir, um pequeno estabelecimento comercial é o santuário dos observadores da vida pública do Egito. Em 25 de janeiro de 2011, as ruas da capital egípcia encheram- se de manifestantes que se escondiam das nuvens de gás lacrimogêneo, de artefatos explosivos e de balas que zuniam nas poças como torrões de açúcar em xícara de café. Esse foi o início do protesto de 18 dias que derrubou Hosni Mubarak, o homem forte do Egito. Assistindo através de uma janela com a inscrição “Fundado em 1908” estavam os clientes do Café Riche. No local, garçons entregavam bules de café turco e pratos de berinjela grelhada a fregueses de olhos arregalados.
O Café Riche fica entre prédios imponentes da Belle Epóque do Cairo, concebida por arquitetos europeus como a “Paris sobre o Nilo”. Intelectuais, artistas, estudantes, espiões e políticos se misturavam no Riche, mas a única constante durante décadas de conversas foi saber até onde o Egito adotaria as normas ocidentais. Os frequentadores do local dividiam- se em usuários de turbante (tradicionalistas) e de fez (modernizadores), mesmo que poucos deles utilizassem algo na cabeça. O Riche atraía principalmente o segundo grupo. Era, porém, apenas um de vários cafés no centro do Cairo a borbulhar com fervor político. Opiniões sobre a política e a lei eram frequentemente avaliadas com referência ao local em que alguém tomava café.
O Riche comemora um passado que, com frequência, girou em torno dos clientes do café. Em 15 de dezembro de 1919, um estudante de medicina, Iryan Yusuf Iryan, sentou-se perto da porta e aguardou pelo primeiro- ministro, um frequentador habitual. Quando ele chegou, lembrou Iryan mais tarde, “saí e atirei a primeira bomba contra o carro”. O premier sobreviveu e o Egito enfrentou uma revolta nacionalista contra o regime britânico. Batalhas foram travadas diante das portas do Riche e revolucionários buscaram refúgio entre os frequentadores. O porão do local tornou-se seu covil, por deter diversas saídas ligadas a túneis seculares. Nos anos 1920, os revolucionários operavam uma prensa no local, produzindo panfletos com críticas aos ocupantes britânicos e seus fantoches. A prensa continua lá.
Em 1922, após protestos nacionalistas paralisarem o país, o Egito obteve a independência. O rei Faruk mandou durante a Segunda Guerra Mundial, mas era considerado pelos egípcios como corrupto e ineficaz. Anunciou que conheceu sua segunda mulher no Riche. Ali, ele pode ter conhecido também o homem que o destronaria. O coronel Gamal Abdel Nasser planejou seu golpe sobre xícaras de café no Riche e atacou em 1952, proclamando a libertação nacional e cortando os laços com os amos ocidentais.
Após Nasser assumir, o local tornou-se o refúgio de artistas e escritores. O golpe, embora saudado como revolta popular, tornou-se uma tomada militar do poder. Um governo que controla as ruas, mas não consegue entrar em lugares como o Riche. Depois que Anuar Sadat, outro militar substituiu Nasser, os intelectuais se sentiram isolados. Sob Mubarak, que assumiu após o assassinato de Sadat em 1981, o clima piorou. Em 11 de fevereiro Mubarak caiu. O café ficou em silêncio. Todos haviam saído para comemorar.
A juventude egípcia está tentando reformular não apenas o governo, mas também a literatura, a música e a filosofia. Mas é no Riche, onde se encontram ideias, alívio intelectual e consciência.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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