segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
Terror higienista
A doença da dependência do crack assola cada vez mais indivíduos e repercute em um número assustador de famílias, mas parece que não consegue ressoar nas almas de alguns. O crack virou um flagelo político. O problema é seríssimo e é inicialmente de saúde pública. A caótica intervenção na Cracolândia paulistana evidencia a falta de articulação entre as três esferas de governo e a equivocada ênfase na repressão ao usuário. Lamentável a ação policialesca na Cracolândia orquestrada pelo governo de São Paulo - pela dupla Alckmin-Kassab -, ignorando ações de cunho socioeducativo, além da devida assistência médica.
Se por um lado é evidente que a população de São Paulo tem o direito de circular livremente por toda a cidade, incluindo a denominada Cracolândia, por outro não se pode expulsar pessoas de uma área simplesmente como operação de limpeza. Tudo com prazo de validade vencido ou, digamos assim, com defeito de fabricação. E pensar que muitos comentaristas, que pareciam respeitados, apresentavam a necessidade de “limpeza” da área. Sim, utilizaram essa frase infeliz, que muito lembra o fascismo e a sociedade perfeita, ao menos na mente doentia de meia dúzia. Não se coloca muletas em palavras. Em primeiro lugar, não há que se falar em limpeza na retirada de pessoas. Não há que se pensar que o afastamento de alguns seres humanos tornará o lugar e a vida mais bela para quem quer que seja.
Com a eleição já no horizonte político da cidade de São Paulo, as promessas de solução partiram de todas as esferas do governo nos últimos dias quando o assunto foi a Cracolândia paulistana. Após a desastrosa ação policial que teve curso nas últimas semanas, recheada de denúncias de vítimas de balas de borracha, spray de pimenta e outras selvagerias sustentadas por um discurso higienista e autoritário que escorraçou viciados sem terem para onde ir. O fogo cruzado de acusações entre prefeitura, estado e União ganhou propostas pragmáticas.
Tempos atrás, o PSDB acusara o PT de ter implantado o crack na cidade e o último acusara o primeiro de nada ter feito em 17 anos no comando do Estado, agora a corrida para assumir a paternidade da solução ganhou cifras. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, acena com 6,4 milhões de reais para o combate ao crack na cidade. Serão implantadas dez unidades de acolhimento de usuários, 16 “consultórios de rua” e dois novos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) 24 horas, afirmou enquanto visitava o local ao lado do prefeito Gilberto Kassab.
Vivemos a era da insanidade, em que cidadãos doentes, frios e calculistas não se sensibilizam com a dor de muitos. As ações de saúde e de segurança deveriam trabalhar em conjunto, afinal não se trata de um problema policial em si, mas de uma questão que a sociedade ainda não entende direito e não vê a real gravidade. A internação não pode ser utilizada por demagogos ou insensíveis, mas como medida séria para o tratamento.
O Plano de Ação Integrada Centro Legal, da dupla Alckmin-Kassab, para a Cracolândia paulistana, inspira-se no torturante método de Tomás de Torquemada. A tortura para se alcançar uma meta predeterminada. A dupla Alckmin-Kassab não usou a Tortura da Roda de Torquemada, mas a Rota e o comando-geral da Polícia Militar. O humanista Dom Luigi Ciotti, educador por formação salesiana, desde 1965, luta para “dar voz a quem não tem voz”. Aproxima-se dos dependentes “sem desmoralizar, demonizar e assustar”.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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