Bispos da Igreja, juristas, advogados, antropólogos, acadêmicos e defensores dos direitos humanos protocolaram na última segunda-feira, no Conselho Nacional do Ministério Público, um abaixo-assinado em defesa do procurador da República no Pará Felício Pontes. Ele é alvo de representação da Advocacia Geral da União, pedindo que seja seja impedido de funcionar em ações que dizem respeito à hidrelétrica, sob a alegação de que extrapolou suas funções ao orientar índios da região do Xingu a obterem indenizações pela construção da usina de Belo Monte. Para fazer a acusação, a AGU se baseou em vídeo que chegou a ser postado no YouTube, mas depois foi retirado.
No documento, os 132 signatários sustentam que é função do Ministério Público defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas. Acrescentam que as imagens do procurador no vídeo contêm "trechos descontextualizados de respostas suas a questionamentos da comunidade Xikrin, da Terra Indígena Trincheira Bacajá, sobre seus direitos relativos aos procedimentos de indenização por danos causados por Belo Monte."
Abaixo, a íntegra do abaixo-assinado.
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Brasília, 19 de dezembro 2011
Ao Exmo. Corregedor Nacional do Ministério Público
Dr. Jeferson Luiz Pereira Coelho
Excelentíssimo Corregedor,
Com cumprimentos respeitosos, os abaixo assinantes, representantes da Igreja, antropólogos, juristas, acadêmicos e defensores dos Direitos Humanos, vimos, por meio desta, expor ao Conselho Nacional do Ministério Público nossa preocupação e nossos votos de que sejam asseguradas ao Ministério Público Federal e seus procuradores, incondicionalmente, as garantias para o pleno desempenho de suas funções constitucionais, diante do aqui exposto:
NOTA: SEM UM MPF ATUANTE, A DEMOCRACIA PERDE FORÇA E SENTIDO
No dia 7 de dezembro de 2011, a Advocacia Geral da União (AGU) protocolou uma Reclamação Disciplinar no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), solicitando o afastamento e a substituição do procurador da República Felício Pontes Jr. nos processos que envolvem a construção de Usinas Hidrelétricas (UHEs). Como base para tal reclamação, utiliza-se de matéria e imagens publicadas no site do jornal Folha de São Paulo.
Os factóides usados na construção dos argumentos da AGU, por inócuos e inconsistentes, não merecem consideração. Em fragmentos de imagens do procurador no desempenho de sua função (Art. 129, parágrafo V da Constituição Federal: é função do Ministério Público defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas), apresentam-se trechos descontextualizados de respostas suas a questionamentos da comunidade Xikrin, da Terra Indígena Trincheira Bacajá, sobre seus direitos relativos aos procedimentos de indenização por danos causados por Belo Monte. Toscamente editado sem permissão da produtora – constituindo-se, assim, em crime contra os direitos autorais -, o vídeo não representa prova de nada que possa incriminar Pontes Jr.
A insistência da AGU em buscar subterfúgios para tolher, intimidar e criminalizar o Ministério Público Federal não é nova. A tática está sendo adotada pela quinta vez nos últimos dois anos. No presente caso, o fato reveste-se de imensa gravidade, por configurar atentado gritante ao Estado Democrático de Direito, ao atacar frontalmente a Constituição do país.
É inadmissível que o presente governo, que repetidamente tem infringido e mutilado as leis ambientais e de proteção social no processo de imposição de seus projetos neo-coloniais na Amazônia, ao mesmo tempo em que se esquiva de qualquer debate acerca dos questionamentos do Ministério Público Federal, utilize-se da AGU como uma verdadeira milícia jurídica particular para neutralizar a defesa dos direitos humanos das populações mais fragilizadas da região. Esta prática tem se evidenciado também na intervenção sistemática da AGU nos processos de julgamentos das Ações Civis Públicas do MPF, intromissão que ofende a independência do Judiciário e, desta forma, a própria democracia do país.
É preocupante que, depois de tantas lutas, tantas vidas perdidas, e da árdua – e, como se percebe, ainda frágil – conquista do êxito no virar as páginas da tenebrosa ditadura que manchou a recente história do Brasil, o autoritarismo retorne à vida nacional. É consternador, por fim, que ele o faça dessa forma brutal, com a perseguição obstinada de uma das poucas instituições que ainda zelam pelos que quase nada têm. Semelhante perseguição aos procuradores da república, e por via deles, a todos aqueles que compreendem a vida dos povos da floresta, solidarizando-se com sua cultura e sua espiritualidade por reconhecê-las como algo infinitamente precioso, poderá causar danos irreversíveis ao nosso país. Será este o legado do atual governo: um país árido, duro e embrutecido, povoado por gente escorraçada, amedrontada e apática? Não foi este Brasil que construímos. Não é este o Brasil que queremos. E enquanto pudermos lutar, não será este o Brasil que teremos.
Belo Monte já.
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