Por ANDRÉ COSTA NUNES, que mandou para o blog o texto abaixo, precioso, que pode também ser conferido no Tipo assim... folhetim.
Tocar um restaurante rural na periferia de Belém, mesmo na beira do rio Uriboquinha, em meio a floresta, pássaros, gente boa, papos sem fim, banho de igarapé, licor de jamburana, é tudo de bom. Mas cansa. Ainda mais aos setenta e dois anos de idade.
Dizem que o homem para se sentir realizado tem que fazer um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Ditado besta, mas tenho quatro filhos, plantei muitas árvores, escrevi poucos livros. Meia dúzia, se muito. Continuo escrevendo livros, plantando árvores e colhendo netos. E, como disse, tocando o Restaurante Rural Terra do Meio, em Marituba. Mas longe de me sentir realizado.
Em meio a estes devaneios bate o telefone. Era a professora Ivonete, aliás, Doutora Netinha, para os íntimos e para todo mundo, da Universidade Federal do Pará, convidando-me para proferir a palestra de abertura da Semana de Literatura no auditório do Campus de Altamira. Mandaria as passagens. O tema seria a Historia e histórias de Altamira no ano de seu centenário. Caiu a sopa no mel.
Desde que saiu a sentença irreversível(?) para a construção da hidrelétrica de Belo Monte que planejo uma viagem ao Xingu, mais exatamente a Altamira, com incursões necessárias rio acima e rio abaixo e Transamazônica. Não exatamente viagem sentimental como sempre faço para rever parentes, amigos de hoje e de sempre, o rio, a Ilha do Arapujá, as praias, as cachoeiras, a lua. Faz dez dias que estou aqui. Era lua cheia quando cheguei.
A minha gente, o rio, as praias, a lua, tudo no lugar. Como sempre. Apenas o velho casarão da família, o Meu Sossego, fora demolido pelo novo proprietário, o senhor Silvério Fernandes, rico empresário financiado da Sudam e vice-prefeito de Altamira. Teria ouvido um boato que pretendiam tombar como patrimônio histórico. Ele se adiantou e o “tombou” antes. Estava no seu direito. Acho até que nem precisava se incomodar com isso, não faz o perfil da administração municipal, “desenvolvimentista”, andar se preocupando com essas coisas.
Desta vez queria sentir o pulsar da cidade. As notícias que chegavam até mim eram desencontradas e inverossímeis. Nitidamente passionais. Compreensivelmente passionais. O Xingu é assim mesmo, mundia as pessoas, que logo se arvoram em suas guardiãs. Claro que não devia ser assim. Conheço bem esse povo. Qualquer coisinha faz logo um estardalhaço.
Por isso vim e estou aqui há dez dias. Agora posso começar a contar o que vi e ouvi. E garanto a vocês: é bem pior!
Não vou fazer relatórios chatos, circunstaciados, técnicos ou analíticos, até porque, não sei fazer. Faltam-me talento e arte. Vou apenas escrever cartas procurando fugir dos adjetivos e abordando o substantivo. Da maneira mais simples que a minha compreensão puder alcançar.
O caso da venda do terreno da OAB, Ordem dos Advogados do Brasil
Sucintamente, só para rememorar: a prefeitura deu um terreno para a OAB construir sua sede. A OAB o vendeu.
A verdade há que ser sempre o fato, por exemplo: o copo quebrou. Se foi o vento que derrubou, se foi o menino traquinas que esbarrou, não muda a verdade primária e insofismável. O copo quebrou.
Do mesmo modo, a prefeitura pobre de Altamira, em nome de um povo pobre, deu um terreno para a OAB construir sua sede. A OAB não construiu sequer um quartinho e o pôs a venda.
Se foi vendido para um diretor da Ordem, para o João ou para a Norte Energia, por trinta mil, trezentos, ou três milhões de moedas é irrelevante, no meu entender. São questões adjetivas. O substantivo é que, mesmo “legal”, e disso os doutores entendem muito bem, é imoral, torpe, injusto, apropriar-se de um bem público de um povo de todo carente, apenas para especulação imobiliária.
Isso, sabemos nós, e os “doutores” mais ainda, chama-se patrimonialismo definido por Weber. A prática espúria, antirrepublicana da transferência do patrimônio público para propriedade privada. É, acima de tudo, herança absolutista desde sempre que permanece indelével na legislação do século XXI. Não sei se o doutor Claudio Lamachia previu isso quando escreveu a Missão Constitucional da OAB. Se o fez esqueceu de mandar uma cópia para o Pará.
Essa historinha da OAB, não tem nada a ver com o motivo maior das cartas que me propus escrever, mas era uma questão não digerida, uma espinha atravessada na garganta. Não que eu tenha a mínima esperança que a Ordem tenha a decência de devolver ao povo de Altamira o patrimônio “legalmente esbulhado”, se é que tal figura existe, ou mesmo, quem sabe, por ser uma entidade rica e poderosa, construir uma creche, uma praça, uma biblioteca.
Não fora a OAB a vanguarda da Justiça, por vezes várias antecessora da lei, e se poderia invocar em sua defesa que tal prática é useira e vezeira ou, no seu próprio dialeto, consuetudinária. Aqui e alhures.
Até posso entender a atitude singular do advogado que vem para este fim de mundo, zona de fronteira, para se dar bem. Enricar. Pior seria, reconheço, sem eles, mas a Entidade OAB é outra coisa. Um dia se haverá de contar sua luta em defesa das liberdades democráticas. De seus posicionamentos justos contra o Poder, mesmo ao arrepio de convicções e interesses pessoais de seus dirigentes. Enfraquecer a OAB é dar munição aos inimigos do povo. É enfraquecer a democracia.
É madrugada. Chove forte sobre o Xingu, mesmo assim, logo cedo, devo encarar a Transamazônica até Belo Monte para entrevistar o seu Ferreirinha. Ele tem mais de noventa anos e teria, diz-que, acompanhado o Jimmi nas peripécias de esconder o filho do David Rockfeller pescando no beiradão do Baixo Xingu. Mas isso é outra história.
Amanhã ou depois cometerei outra missiva da série “Delenda Altamira”.
Bom dia, caro Paulo:
ResponderExcluiro texto do André é um grito amor, patriotismo (palavrinha fora de mora, né?) e civilidade.
Acho que dele podemos retirar, além dessas lições, um bela campanha: OAB devolva ao povo de Altamira o terreno que lhe pertence!
É um bom começo para resgatar na nossa memória uma Ordem dos Advogados do Brasil que tão oportunamente o André relembrou.
Pra economizar esforços dos leitores, não vamos debater aqui a legalidade ou ilegalidade da transação, combinado???
Abração, Paulo.
Apesar de permeada de anátemas, a aparente catilinária contra o "esbulho" praticado pela OAB (?) não constitui uma sentença, no sentido processual. Se o fosse, interporia embargos de declaração. Ao cabo, parecer tatar-se o texto de um oximoro, posto exaltar a história "de lutas em defesa das liberdades democráticas e de posicionamentos justos contra o Poder".
ResponderExcluirSerá que o missivista se inteirou aí mesmo em Altamira junto aos advogados locais que esse bem foi adquirido por eles há mais de 30 (trinta) anos, cotizando-se tostão por tostão, e que a Prefeitura apenas expediu o título de propriedade por fazer parte da légua patrimonial?
E que mesmo que houvesse havido doação pura e simples as finalidades públicas da OAB, não só em defesa de uma categoria profissional fundamental ao Estado Democrático exaltado pelo escritor, mas que presta serviços a toda a sociedade condição credenciadora de legítimidade, não apenas com base em fria "legalidade".
O escritor precisa conhecer melhor a História para não se tornar mais um, entre tantos, mero reprodutor de distorções e inverdades, espécie dispensável a forjar estórias nesse caso.
Os advogados de Altamira já sofreram demais difamações. Aproveite que vc está aí e converse com eles.
A livre opinião, e seu direito de ser externada, foi um dos motivos que levou meu pai a lutar contra os Militares, de ser demitido do Basa "por ser subversivo" e de ser expulso do Curso de Economia da Federal pelo mesmo motivo.
ResponderExcluirNunca calou.
Por motivos que todos conhecem (ou deveriam), nos anos em que a Canalhada de Generais mandava no Brasil, usou cerca de 5 outros nomes para não "sumir", mas, nunca calou. Nunca deixou de ter opinião e dizê-la. Vai continuar assim.
Quando meu avô chegou em Altamira, a grande maioria dos advogados, ainda vivos, nem cagava nas fraldas. Anfrísio da Costa Nunes, depois, virou nome de rio, e, mais depois ainda, virou Reserva Extrativista.
Meu avô e meu pai viram todos os "movimentos" passarem por Altamira, desde a entresafra da 1ª e o auge da 2ª Eras da Borracha, até a "Era da SUDAM"... muita gente bamburrou, mas só Altamira ficou ...E POBRE!
Meu pai tem toda a razão (claro, na minha visão e na dele, ah, e da Bia também. É o que basta pra mim).
Como advogado, regularmente inscrito na OAB/PA, em pleno gozo de meus direitos, sou pela devolução do Terreno ao Município de Altamira.
Não se pode, por lei, comprar bem público sem o devido processo administrativo legal. No caso, há doação à termo. O terreno, repito, na minha opinião deve voltar ao Ente Municipal.
Altamira está precisando, agora mais do que nunca devido "Belo Monte", de um espaço público para atendimentos de serviços públicos à população.
O resto ..ah, o resto são, também, outras opiniões, livres e que podem ser externadas do mesmo modo.
Simples assim, caro Paulo Bemerguy. Tudo educadamente, sem arroubos, sem agressões, sem dedo na cara ...como diria aquele supermercado, naquela propaganda: sem grito.
Abração, PB.
EM TEMPO:
ResponderExcluirQuem quiser saber mais sobre meu pai, Andre Avelino da Costa Nunes Netto, ou me pergunte, por aqui mesmo:
ou pelo meu blog: http://xipaia.wordpress.com
ou pelo meu twitter: @lafayettenunes
ou pelo meu Facebook: http://www.facebook.com/profile.php?id=1838096152
ou pelo próprio blog do papai: http://tipoassimfolhetim.wordpress.com/
ou pelo Twiiter dele: @AndreCostaNunes
ou pelo próprio Facebook dele: http://www.facebook.com/profile.php?id=100000162973370
Ou, joguem no Google.
Ah, ou ainda, vão lá no Restaurante Rural, TERRA DO MEIO, ele tem o maior prazer em receber as pessoas por lá, e, na medida do possível, atender bem. O endereço, fotos e etc, estão aqui: http://www.terradomeio.com.br/ (ps. no ps: Um jabazinho, Paulo, não faz mal a ninguém! rsrs).
Tudo sem anonimato, pois continuo não gostando de anônimo-por-ser-anônimo-covarde, Paulo.
Em que pese o próprio papai e o meu amigo (ah, esta tal saudade!) Juvêncio mostrarem pra mim que, as vezes, o anonimato é necessário, principalmente nas denúncias contra os poderosos e assassinos.
Abração, Paulo.
Há controvérsia. No blog da Franssinete Florenzano, consta a seguinte postagem:
ResponderExcluirEDILSON SILVA disse...
Meu caro Andre Nunes,
Sobre a venda do terreno da OAB, e de que " a OAB não construiu sequer um quartinho e o vendeu", devo te informar:
Fui Presidente da OAB/PA, de 1993 a 1995, e Isaac Fima o da Subseção de Altamira.
No indigitado terreno de Altamira, construí com recursos próprios da OAB, a sede daquela Subseção, inaugurada em 19.01.1994. - um prédio em alvenaria com 113,62 m2 de área útil -.
Divulgada a venda do terreno, procurei apurar os fatos, e fui informado de que a sede tinha sido demolida. Um fato gravíssimo!
Por isto, em 25.07.11 requeri ao Presidente Jarbas Vasconcelos, da OAB/PA, a apuração dos fatos para fins de responsabilizar os seus autores, civil, administrativa e criminalmente, se for caso.
Em 26.08.11, reiterei o pedido; anexei fotos do arquivo de advogado de Altamira, dentre elas, uma insólita "PEDRA FUNDAMENTAL DA FUTURA SEDE DA SUBSEÇÃO DE ALTAMIRA", gravada com nomes de:
Presidente: OPHIR CAVALCANTE JUNIOR
Vice-Pres: ANGELA SALLES
Sec. Geral: EDILSON BAPTISTA DANTAS
Sec. Adjunto: MANOEL AROUCHA SOARES
Tesoureiro: EVALDO PINTO.
Fui informado de que esse presidente foi quem, à época, ordenou a demolição da sede, em deliberação pessoal, pois, na OAB, não consta registro de autorização da diretoria ou do Conselho Secional da época.
O fato é grave! Qual o objetivo visado com a demolição da sede que eu mandei construir em Altamira?A quem aproveitou, ou aproveitaria?
Como dito na coluna de Guilherme Augusto; "A sede sumiu". E isto precisa ser apurado com rigor!
Em meus requerimentos, enfatizei que cumpri a lei; concretizei com a construção da sede, o objetivo que legitimava a doação do terreno pela Prefeitura de Altamira;
Afirmei em meus requerimentos, que, se à OAB não mais interessava a sede no local, o terreno não poderia ser vendido; teria de ser devolvido à Prefeitura, porque bem público doado com finalidade específica, como impõe a lei.
E a venda foi desfeita, o preço devolvido; tudo por decisão unânime do Conselho Secional da OAB/PA.
Caro André,
eram estes os esclarecimentos que o dever me impunha fazer. Além disto, se lhe interessar, enviar-lhe-ei cópia dos requerimentos citados.
Edilson Oliveira e Silva.
Advogado. Membro Honorário Vitalício da OAB/PA.
Em 19.11.2011
19 de novembro de 2011 18:58