segunda-feira, 3 de outubro de 2011
Independência sob pressão
Cada momento, cada dia que passa, torna-se mais difícil opinar e analisar sobre o que importa para entender o mundo. Recentemente, manifestantes palestinos foram às ruas pedir o reconhecimento de seu Estado na ONU. O departamento de Estado americano confirmou dias atrás que o país vetará no Conselho de Segurança das Nações Unidas uma eventual proposta da Autoridade Nacional Palestina (ANP) de obter o reconhecimento da ONU como Estado membro.
O ex-premier britânico Tony Blair, representante do Quarteto (ONU, União Européia, EUA e Rússia) nas negociações entre Israel e Palestina, reuniu-se com o presidente da ANP, Mahmoud Abbas, para demovê-lo da ideia. Apesar da pressão, Abbas não deu sinais de que vá recuar. O pedido do reconhecimento ante a Assembleia-Geral da ONU neste mês era parte do acordo de reconciliação entre as facções rivais palestinas Fatah e Hamas, costurado em maio. Por outro viés, seguir em frente com a proposta deve deixar Israel cada vez mais distante da mesa de negociações. E mais, Abbas também pode perder canais na diplomacia com as potências.
A Palestina já é reconhecida por 125 países, precisa de 129 votos e espera conseguir apoio de 140 dos 193 integrantes da ONU. Israel diz ter certeza de apenas cinco votos contrários, claro, além do seu: EUA, Alemanha, Itália, Holanda e República Tcheca.
Em retaliação, a presidente republicana da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Ileana Ros-Lehtinen, apresentou projeto de lei que corta pelo menos metade dos recursos dos EUA para a ONU, que chama de “organização antissemita”. Sob pressão do lobby sionista e de Israel, a subsecretária de Estado de Obama, Wendy Sherman, anunciou que os EUA vetarão a admissão da Palestina na ONU. Contudo, isso custará muito caro às relações de Washington com o mundo árabe e não impede o reconhecimento formal e suas consequências legais e políticas.
É pouco provável que o objetivo final dos palestinos seja realmente, via Nações Unidas, conseguir o efetivo reconhecimento de seu Estado, visto o anúncio norte-americano de vetar qualquer avanço. Por sua vez, é coerente visualizar a estratégia palestina guiada por um viés do poder suave, preocupada em atrelar a si uma imagem positiva, isolando e enfraquecendo israelenses e americanos; polarizando o debate entre um, digamos assim, oprimido Davi contra um intransigente Golias.
O contexto global estrutura o expediente palestino e reforça sua argumentação. A Primavera Árabe escancarou a política americana de pesos e medidas diferentes, demonstrou que os povos muçulmanos anseiam por guiar o seu destino (da mesma forma que outrora as colônias ocidentais quiseram livrar-se do julgo dos colonizadores), além de ter desmistificado a premissa bárbara e rude atrelada a eles após o 11 de Setembro.
Em contrapartida, os americanos sustentam a responsabilidade no desencadeamento da maior crise econômica internacional. Fracassaram em sua ideia de estabilidade ao tentar implantar, via força, democracias nos moldes ocidentais no Iraque e no Afeganistão. Perderam sua posição global como atores da unipolaridade e estão mergulhados em uma crise política que expõe a arrogância e a prepotência dos governantes que querem exportar seu modo de vida ao planeta.
Caso esse cenário se consolide, americanos e israelenses terão que arcar com o peso de uma vitória amarga, enquanto assistem aos árabes comemorando sua derrota.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@ gmail.com
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