quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O momento pede analistas e não "ghost writers"

Por ALBERTO DINES, no Observatório da Imprensa

Há um clima de ruptura no mundo. Os porteiros das nossas redações perceberam algumas identidades na enxurrada noticiosa global e, finalmente, iniciaram uma costura vinculante. O inverno árabe (erroneamente designado como primavera, pois foi iniciado em janeiro-fevereiro deste ano), a primavera espanhola (15-M, de maio), o verão israelense e sírio, assim como a explosiva canícula britânica têm algo em comum. Apesar da distância, não se pode eliminar dessa rede de eventos a longa e violenta onda de protestos dos estudantes chilenos.
Os encadeamentos e conexões poderiam ser estendidos de forma ainda mais abrangente incluindo a Noruega, Wall Street e o Tea Party, e assim oferecer uma dimensão mais aproximada dessa temporada de indignações e rebeliões. O que importa é que a transcendência do noticiário trouxe para as páginas dos nossos jornalões filósofos e observadores de fama internacional. Caso do venezuelano Moisés Naím (Folha de S.Paulo, sexta-feira, 12/8), do polonês Zygmunt Bauman (O Globo, sábado, 13/8) e da holandesa Saskia Sassen (Estado de S.Paulo, caderno “Aliás”, domingo, 14/8), pensadores extraordinariamente bem dotados em matéria de acuidade e de conhecimento.

Mimetismo de risco
Em direção contrária ocorre um estranho fenômeno nos subterrâneos do processo decisório da nossa grande mídia: os espaços reservados para reflexão e análise estão sendo ocupados para badalar atores da cena política, empresarial ou mundana. O ponto culminante da carreira de um jornalista é a coluna regular de análise ou opinião. E os jornalistas estão sendo impedidos de alcançá-los justo na eminência de uma crise global.
Isso não significa que a função de repórter seja menos nobre, ao contrário, é a representação mais perfeita do exercício do jornalismo. No Brasil é menos freqüente, mas no jornalismo anglo-saxão o repórter continua repórter ao longo da sua vida profissional. Com salários compatíveis com a sua evolução e experiência.
A coluna fixa (independendo da periodicidade) é o destino natural dos profissionais devidamente sazonados que se encaminham para um gênero de apuração mais analítica e analógica. Suprimir estes espaços ou utilizá-los para a mera exibição de nomões e celebridades do mundo extra-jornalístico é uma grave distorção, equivale a uma poda dos galhos mais altos e das copas mais frondosas das árvores.
É exatamente isto que está acontecendo. Começou na Folha e a Folha é a maior fundição de modas da imprensa brasileira. Logo a infeliz prática estará consagrada pelo irrefreável mimetismo e macaqueação que sempre dominou e ainda domina nossa vida cultural.
Marta Suplicy, Aécio Neves e Josué Gomes da Silva são expoentes nas respectivas profissões: os dois primeiros na política, o terceiro no mundo empresarial. A Página Dois da Folha, porém, é um cenáculo para os expoentes do jornalismo. Assim foi concebida em julho de 1975. José Sarney conspurcou-a ao longo de 20 anos, agora seria o momento para uma reversão saneadora.
Os novos colaboradores da Página Dois da Folha são – ou deveriam ser – leitores desta nobilíssima página. Não estão habilitados nem foram treinados para serem seus alimentadores. Seus ramos são outros.

Fora de lugar
No quadro da Folha há pelo menos uma dúzia de esplêndidos jornalistas capazes de valorizar mais o jornal e servir melhor o leitor do que as novas e respeitáveis aquisições para o plantel de colunistas.
É preciso levar em conta que a atual senadora Marta Suplicy considera-se pré-candidata à prefeitura paulistana. Aécio Neves é um dos pré-candidatos à presidência da República. Ao contratá-los, a Folha privilegiou-os e prejudicou os naturais concorrentes. Diferentemente dos estatutos editoriais das Organizações Globo, a Folha não foi isenta.
No caso do filho do ex-vice-presidente, o falecido José Alencar, a escolha foi ainda menos feliz porque deu voz a um bem-sucedido empresário, que além de mineiro sempre preferiu os bastidores. Supõe-se que os dois políticos-agora-colunistas sejam bons comunicadores, caso contrário não teriam vencido tantas eleições. O empresário, grande operador, certamente recorrerá a uma competente assessoria. A Página Dois da Folha não foi criada para abrigar uma galeria de ghost-writers.
A verdade é que o grande prejudicado nesta corrida por nomões é o leitor – que paga para receber o melhor e numa hora destas recebe menos do que merece.

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