No blog Na Rede, da jonalista Ana Diniz, sob o título acima:
Numa passagem pela telinha, ouço o presidente da Transparência Brasil dizer que o Tribunal de Contas da União melhorou um pouco os controles, mas os tribunais de contas dos Estados e dos Municípios são inoperantes e a serviço de ex-governadores.
Eu não sei se o TCU “melhorou os controles” porque nunca antes, neste país, houve tanta corrupção. O que eu sei é que também nunca antes, neste país, houve tanta controlaria sobre a administração pública. Há, hoje, auditorias, ouvidorias, controladorias – mas controle, mesmo, neca. Tudo isso surfa nas montanhas de papel produzidas a partir de uma legislação que, desconfio, deve estar entre as mais burocráticas do mundo. Ir ao local, conferir o que foi feito do dinheiro – quem está fazendo isso é o jornalismo, global ou não. Sem consequências, naturalmente, porque não tem autoridade para tanto, e nem deve ter.
São toneladas de papel que arrimam as contas públicas – e, não sei quem disse com sabedoria, uma vez, acho que foi o Hélio Beltrão – quanto mais papel, mais corrupção. A infinita papelada cria desvãos e esconderijos, áreas de embarque e desembarque para todo tipo de golpe. Todos os tribunais de contas trabalham por amostragem, cujos critérios são, ora aleatórios, ora denuncistas. Simplesmente porque é humanamente impossível conferir toda a papelada – são alguns milhões de documentos a cada mês administrativo.
Produz-se papel para uma hipotética fiscalização – e a hipotética fiscalização é exigente com o papel. Falta uma assinatura: multa; publicou atrasado: multa; mas o buraco que não foi tapado, mas teve o serviço pago, passa tranquilo, tranquilo: a papelada está em ordem, ponto final.
Na base disso está um ordenamento legal que parece ter sido feito com a assessoria de Macunaíma: a sacrossanta, para os tribunais de contas, lei 8666/93, a lei de licitações. Ao contrário do que muitos alegam, eu não acho essa lei dura. Ela é falha, incompleta, não se ajusta para muito dos procedimentos administrativos públicos e, sobretudo, está ultrapassada. Foi necessário editar uma lei especial para informática e uma outra norma – que jamais foi discutida no Congresso Nacional, mas hoje tem força de lei em todo o país graças aos Tribunais de Contas – a Instrução Normativa 001, da Secretaria do Tesouro Nacional, com todos os seus remendos posteriores.
Eu não sei, porque ele não explicou, o que o presidente da Transparência Brasil considera “melhores controles”. O cipoal legislativo brasileiro semeia armadilhas em toda a administração pública: há atos que são regidos por diversas leis, um pedacinho em cada uma. E exige papel: há um dispositivo legal, por exemplo, que exige parecer jurídico para todo e qualquer ato administrativo que envolva recursos ou bens. Isto gerou um exército de bacharéis em Direito que não redigem contratos, não minutam convênios, não fazem audiências, não administram e não resolvem problemas: apenas dão pareceres. Como se trata de um parecer eles também não assumem responsabilidades: quem responde é quem assina o ato. E ai do administrador que não instruir o ato com um parecer! Tudo pode estar corretíssimo, mas faltou o papel, então...
Em toda a administração criou-se um número mágico: é o número três. Eu não sei porque duas propostas são piores que três: mas em todos os procedimentos licitatórios de pequeno valor há que ter três propostas, três cotações. Os múltiplos de três permeiam todas as instâncias: o limite máximo de contratos é de sessenta meses, o valor máximo de nota fiscal para compras com suprimentos de fundos é trezentos reais, são de trinta dias a maioria dos prazos de edital... Eu não sei se isto deriva de Brahma, Vishnu e Shiva ou do Pai, Filho e Espírito Santo. Mas o resultado não é nem um pouco espiritual: é papel, papel e papel engasgando todo e qualquer serviço público.
Eu sonho com o dia em que esta República vai deixar de ser cartorial, em que os controladores poderão ser encontrados nos canteiros de obras ou nas cozinhas das escolas, nos depósitos de medicamentos e nos almoxarifados de informática. O dia em que uma assinatura no verso de um empenho não será mais importante que uma obra feita e acabada. Em que a lei seja simples, clara e dura. Em que a experiência administrativa seja condição preliminar para a nomeação de um auditor. Em que transparência não seja uma simples página eletrônica ininteligível para o cidadão comum.
Aí, sim, os controles terão melhorado de fato.
A premissa da jornalista pode (eu disse pode e não afirmo) estar equivocada. Nunca houve tanta corrupcão ou nunca houve tanta transparencia e a consequente denúncia, fazendo parecer que antes havia menos?
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