Ante a recusa do governo de Hosni Mubarak de ceder o suficiente, existiam vários projetos para que isso não viesse a acontecer. No primeiro, repressão policial e militar pura e simples não funcionou. A massa humana não se intimidou com jatos d’água, cassetetes, balas de borracha e gás lacrimogêneo. Mubarak ordenou ao ministro do Interior, general Habib Al-Adly, atirar nos manifestantes para matar, mas o assistente deste, o general Ahmed Ramzy, fez ouvido de mercador à ordem.
Diante de tal impasse, o presidente ordenou ao Exército ocupar as ruas e o ministro do Interior, furioso, ordenou à polícia abandonar seus postos e “deixar os manifestantes experimentar a anarquia” – o que piorou o caos e aparentemente fez Al-Adly cair em desgraça. Foi destituído, teve seus bens congelados, proibido de deixar o país e está sendo investigado por envolvimento no atentado do réveillon contra a igreja copta, que ele tinha atribuído a fundamentalistas palestinos.
No segundo, convocar contramanifestações – que aparentemente partiu do “baixo clero” do governista Partido Nacional Democrático (PND) – também deu em nada. Ao contrário do que aconteceu no Irã de 2009, quando Mahmoud Ahmadinejad se mostrou capaz de mobilizar massas pelo ao equivalente às da oposição de Mir-Hossein Mousavi. No Egito, o pequeno número e a brutalidade dos supostos partidários de Mubarak, capturados pelos oposicionistas serviram para demonstrar que não iam além de policiais à paisana, integrantes (literalmente) de carteirinha do partido governista e provocadores pagos.
No terceiro, pareceu ser a estratégia adotada por Tancredi em O Leopardo, o romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa. Seu tio, dom Fabrizio, tem seu feudo siciliano ameaçado quando Garibaldi invade o velho reino das Duas Sicílias para uni-lo ao norte em uma Itália unificada. O sobrinho decide se unir às forças invasoras e explica: “Se nós não estivermos lá, eles fazem uma República. Se quisermos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude”.
Ademais, com a promessa de negociar emendas na Constituição nos próximos meses e de realizar eleições só em setembro sem a participação do velho tirano ou de seu filho Gamal, o governo esperou desmobilizar os manifestantes enquanto assegurava uma transição sob seu controle e a manutenção do regime sem grandes mudanças além de uma superficial troca de guarda.
Essa geografia já era do conhecimento dos manifestantes. Mas se cabe a comparação de Mubarak com dom Fabrizio, seu recém-oficializado vice-presidente Omar Suleiman se mostrou longe da maquiavélica ousadia de Tancredi. As concessões que anunciou ficaram aquém das exigências dos EUA e dos seus aliados europeus. Mubarak, já descartado pelas potências e odiado pelos manifestantes foi dizer de maneira demasiado explícita que não se pretendiam mudanças reais.
A teimosia de Mubarak e a hesitação dos EUA fazem do Irã e da Turquia os dois maiores ganhadores com o processo revolucionário que agita os países árabes. O risco do Egito se tronar outro Irã, parece pequeno. Mas a melhor hipótese desses pontos de vista, é ver o país se tornar uma nova Turquia – um país com instituições democráticas e certa liberdade de expressão, mas com um partido islâmico moderado no poder, que busca relações amigáveis tanto com o Irã quanto o Ocidente e mantém com Israel relações pacíficas, mais muito gélidas. Uma grande mudança no cenário do Oriente Médio.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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